São Paulo, terça-feira, 13 de dezembro de 2005

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CINEMA

Cônsul israelense nos EUA manda relatório ao seu governo com restrições à obra de Spielberg sobre o massacre na Olimpíada de 72

Filme trata caso com "leviandade", diz Israel

DAVID M. HALBFINGER
DO "NEW YORK TIMES"

Funcionários do governo israelense se prepararam para o pior quando foram informados de que o cineasta Steven Spielberg tomaria a violência no Oriente Médio por tema em "Munique", seu filme sobre o massacre nos Jogos Olímpicos de 1972 e os assassinatos de terroristas palestinos ordenados como retaliação.
Mas a primeira resposta oficial de Israel ao filme, que deve estrear em 23 de dezembro nos Estados Unidos (no Brasil, em 27 de janeiro), foi contida: a história não é favorável aos israelenses, mas isso não importa muito.
"Trata-se de um filme de Hollywood", disse Ehud Danoch, o cônsul-geral israelense em Los Angeles, que compareceu a uma sessão especial de "Munique".
Ainda assim, em um sinal de até que ponto o filme estava sendo tratado com seriedade, Danoch disse que enviou um relatório aos seus superiores em Jerusalém logo que a sessão acabou.
Danoch afirma que há muita coisa que ele considera passível de objeção no filme de duas horas e meia, estrelado por Eric Bana como líder de uma equipe especial de agentes do serviço secreto israelense, o Mossad, encarregada pela primeira-ministra Golda Meir de rastrear e matar os palestinos responsáveis pelo massacre, no qual 11 atletas israelenses foram mortos.
A ordem da primeira-ministra se estendia também a terroristas que não estavam conectados ao ataque. O cônsul disse que o filme fazia parecer que a resposta de Israel isoladamente é que havia causado uma escalada no terrorismo, algo que ele classifica como pura ficção.
Danoch argumenta, acima de tudo, que o filme propõe uma equivalência moral injusta entre os assassinos israelenses e seus alvos -tanto explicitamente, nos diálogos em que os israelenses questionam suas ações e os palestinos defendem as deles, quanto de forma implícita, como quando a câmera se move de um jornal televisivo que mostra os nomes dos 11 atletas israelenses mortos para um funcionário do governo de Israel exibindo fotografias dos 11 alvos palestinos.
"E assim são 11 por 11", declarou Danoch em entrevista no consulado. "É igual, é equilibrado, é isso por aquilo. Mas de um lado temos atletas olímpicos que foram assassinados da maneira mais horrorosa e repulsiva, e do outro lado temos os homens que praticaram o crime."

Leviandade
Danoch enfatizou que Israel jamais admitiu publicamente os assassinatos. Porta-vozes da Universal Pictures se recusaram a responder aos comentários de Danoch, dizendo que o filme fala por si. Em particular, eles expressaram profundo ceticismo quanto às opiniões de alguém que um executivo do estúdio classificou como "diplomata de médio escalão". As exibições que começaram nesta semana em Washington e Israel não atraíram comentários oficiais palestinos.
Danoch, o emissário de Israel a Hollywood, deixou claro que não estava querendo comprar briga com Spielberg ou tentando causar controvérsia, e assim atrair ainda mais interesse, para um filme definido como "obra-prima" em reportagem de capa da revista "Time".
Ele elogiou o filme, por exemplo, pelo retrato que faz quanto ao horror do massacre, ainda que tenha dito que gostaria de que "Munique" mostrasse melhor a maneira pela qual os atletas assassinados se tornaram quase sagrados para os israelenses.
Danoch disse também que Spielberg estava longe de ser a única pessoa a reduzir o conflito a um embate sangrento, mas equilibrado. No entanto, "no filme em si", disse, "Israel uma vez mais é retratado como se estivesse no mesmo patamar dos palestinos".
"Não existe equivalência moral", acrescentou. "A tentativa de obter um equilíbrio entre vítimas do terror e seus algozes, a tentativa de balancear entre um governo cuja missão é defender seu povo e uma organização terrorista que o mundo todo identifica como organização terrorista, equivale a tratar a questão com leviandade."
Alegando que o filme não tinha pretensões de precisão em termos históricos, Danoch não quis dedicar muito tempo à contestação de sua perspectiva. Apontou que o roteiro, de Tony Kushner e Eric Roth, se baseava em um livro, "Vengeance" (vingança), de George Jonas, que toma por fonte o relato, posteriormente desacreditado, de um suposto membro da equipe de ataque do Mossad, Juval Aviv.
Danoch também reprovou a descrição de "Munique", por Spielberg, em entrevista à "Time" como sua "oração pela paz".
Ele disse que a mensagem de Steven Spielberg -a de que a paz viria pela negociação e não pela violência- não era exatamente uma revelação. "Desde sempre, Israel está tentando retornar à mesa de negociações", afirmou. "A maneira de fazê-lo, de acordo com nosso plano de paz, é pôr fim ao terrorismo."
Por fim, Danoch sugeriu que tentar superar as divisões entre Israel e Palestina em um filme era diferente para o cineasta daquilo que aconteceu, digamos, quando ele buscou revelar o horror do Holocausto no filme "A Lista de Schindler" (1993).
"A tentativa de sumarizar o conflito por meio de algumas poucas sentenças em um monólogo grandioso equivale a tratar com leviandade um conflito que custou tantas vidas e já dura tantos anos", afirmou Danoch. "É uma presunção, mesmo que se trate de Spielberg."


Tradução Paulo Migliacci

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