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JOÃO PEREIRA COUTINHO
Só verdades, só mentiras
Saber que Pinochet equilibrou as contas do Chile não o absolve; ele é uma verdade e uma mentira
PINOCHET MORREU em Santiago do Chile e, nos dias seguintes, lembrei de uma campanha publicitária desta Folha que fez
sucesso, anos atrás, nos certames
internacionais. Vocês conhecem o
filme: um ponto preto na tela da
TV; lentamente, centenas de pontos, que vão revelando as feições de
um rosto; uma voz em "off" que explica: "Este homem pegou uma nação destruída, recuperou a sua economia, devolveu orgulho ao seu
povo". E os pontos pretos, milhares, são agora o rosto de Hitler.
A campanha escolheu Hitler,
mas poderia ter escolhido qualquer outro ditador: Stálin, por
exemplo, na sua brutal tirania, ergueu um país industrializado e temido, cientificamente avançado e
com vocação imperial, que muitos
russos ainda recordam com saudade. Porque a lição dessa campanha
ensina precisamente isso: é possível contar um monte de mentiras
dizendo só a verdade. Ou, inversamente, é possível contar um monte
de verdades dizendo só a mentira.
Pinochet, como qualquer criminoso histórico, é uma verdade e
uma mentira: imaginando milhares de pontos pretos com o rosto
do general, de preferência com a
pose e os óculos de 1973, sabemos
que o homem salvou o Chile do comunismo e da esquerda revolucionária que Allende não queria, ou
não podia, controlar; sabemos que
Pinochet herdou um país falido,
com inflação de três dígitos e sua
capacidade produtiva destruída; e
sabemos que Pinochet transformou o Chile na mais vibrante economia da América Latina.
Infelizmente para os defensores
do general, que voltaram a relembrar essas verdades como justificação póstuma do seu reinado (1973-1989), a balança comercial não desculpa ou legitima o terror, a morte
e a tortura de milhares de seres humanos. E a evocação de um sucesso
econômico, por mais estrondoso
que seja, deveria ser um fato repulsivo para qualquer liberal: falo, evidentemente, daqueles liberais
clássicos que leram a "Riqueza das
Nações", de Adam Smith, mas não
esqueceram o livro anterior do escocês: um tratado moral, intitulado
precisamente "Teoria dos Sentimentos Morais", e onde se condenam os "homens do sistema":
aqueles que procuram desculpar os
seus crimes com a alegada beleza
de uma teoria qualquer.
Saber que Pinochet equilibrou as
contas do país não o absolve como
criminoso. Saber que, em 1980, a
maioria dos chilenos votou em referendo (o primeiro) aprovando a
continuidade do general, não absolve o Chile. E saber que, ao contrário de Fidel, que matou dez vezes mais e morrerá pateticamente
agarrado ao poder, Pinochet prescindiu dele em 1989 (em novo referendo), eis um pormenor que não
ilude a moral dessa história: os ensinamentos da "Escola de Chicago", se aplicados com violência e tirania, não se distinguem das cartilhas igualitárias e sanguinárias
com que a esquerda normalmente
desculpa os crimes dos seus próprios torturadores.
Seria bom que a direita não seguisse maus exemplos. Pinochet
não deixará saudades.
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