São Paulo, quarta, 14 de janeiro de 1998.



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Tomás Antônio Gonzaga continua exilado na África


Tese defendida na USP mostra que neto do poeta está sepultado em seu lugar no Museu da Inconfidência, Ouro Preto


MARCELO REZENDE
da Reportagem local

De certa maneira, uma espécie de ironia poética. Uma tese defendida na Universidade de São Paulo mostra que, apesar de haver uma tumba com seu nome em Minas Gerais e uma história oficial afirmando o contrário, o poeta Tomás Antônio Gonzaga continua exilado na África. E assim seus restos.
Em maio de 1994, um grupo de pesquisadores de Piracicaba (interior de São Paulo) anunciou o projeto de expor aos brasileiros -por meio da análise de seus restos mortais e auxílio de computadores- os rostos dos inconfidentes.
"Gonzaga - Um Poeta do Iluminismo", tese do jornalista Adelto Gonçalves aprovada com louvor no final do ano passado, conta que ao menos a face de um dos mais celebrados nomes da Inconfidência Mineira de 1789, a do autor de "Marília de Dirceu", não poderá ser vista.
Segundo a biografia, que lhe tomou quatro anos e incontáveis horas passadas no Arquivo Histórico Ultramarino, em Lisboa, onde está a documentação sobre os anos de exílio do poeta em Moçambique, os restos mortais de Tomás Antônio Gonzaga não se encontram (e nunca se encontraram) no Museu da Inconfidência, em Ouro Preto.
Em seu trabalho, uma obra em três volumes com 857 páginas (50 mil documentos foram analisados, segundo ele) que teve a orientação do professor Massaud Moisés, Adelto Gonçalves tenta esclarecer as várias dúvidas sobre a vida de Gonzaga, que após seu envolvimento com a Inconfidência Mineira foi condenado ao desterro na África, em 1792.
Um dos principais interesses de Gonçalves era os anos africanos de Gonzaga. Sua biografia mostra que seu exílio não foi marcado apenas pela melancolia e saudade das terras brasileiras.
Foi, antes de tudo, um tranquilo negócio, em que Gonzaga continua um "funcionário público" de Portugal e ganha, ainda, uma segunda chance sentimental.
Mas não, como se imaginava antes, casando-se com "a herdeira da casa mais opulenta em negócio de escravatura". Juliana de Sousa Mascarenhas, sua mulher em Moçambique, nunca foi a grande herdeira que antes se pensava.
"O Tomás Antônio Gonzaga que surge em minha biografia é um homem bem menos romântico e patriota", diz Gonçalves.
As confusões sobre os restos de Tomás Antônio Gonzaga se iniciam na década de 30, durante o governo de Getulio Vargas.
Em 1936, o Brasil entra em negociações com o governo de Portugal para recolher os restos mortais dos inconfidentes exilados. Uma equipe chefiada pelo historiador Augusto de Lima Jr. parte no navio Bagé em 24 de dezembro.
Lima Jr., na África, revira muitos túmulos e recolhe o que encontra. Inclusive os ossos de Tomás Antônio Gonzaga de Magalhães, neto do poeta, falecido em 1856.
O "Magalhães", aparentemente, passou despercebido pela missão getulista e seus restos estariam agora no Museu da Inconfidência de Ouro Preto, fortalecendo, segundo alguns historiadores, um "mito da inconfidência" montado por Vargas.
O primeiro aviso do possível engano foi uma denúncia do trineto do poeta em 1955. A notícia chegou a Portugal dois anos depois, quando foi publicada em um jornal do país.
À época, os brasileiros também receberam a notícia de que "um estranho" ocupava o mausoléu.
Membros do então Patrimônio Histórico e Artístico Nacional afirmaram ter sido possível um "mau resultado" na trasladação dos despojos, mas, segundo a declaração de diretores da instituição para a imprensa no período, "discutir detalhes menores de um fato de tamanha significação representa uma atitude inaceitável".
"Não acredito", diz o historiador britânico Kenneth Maxwell, autor de "A Devassa da Devassa", obra sobre a Inconfidência Mineira, "que tenha sido algo premeditado, um plano getulista, nem que o 'mito' da Inconfidência tenha sido criado por ele".
"O conceito de 'heróis nacionais' para os inconfidentes já estava disseminado antes de Getulio", continua Maxwell.
O primeiro rosto de um inconfidente a ser mostrado pela equipe de Piracicaba (com técnicas desenvolvidas durante as pesquisas para estabelecer a identidade do nazista Josef Mengele, em 1985, quando suas ossadas foram exumadas) seria o de Domingos Vidal Lage, João Dias da Mota ou José Resende Costa.
Em seguida, as feições de Tomás Antônio Gonzaga finalmente surgiriam, para serem comparadas às gravuras que o mostram de longos cabelos e porte altivo.
Segundo funcionários do Museu da Inconfidência, o projeto está "momentaneamente" interrompido. Quanto às cinzas de um outro no túmulo de Gonzaga, dizem nada saber. Para eles e todos os que visitam, os inconfidentes se tornaram, curiosamente, uma questão de fé.



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