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Tata Amaral leva seu
Édipo rebelde a Roterdã
Divulgação
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Lauro Cardoso e Fransérgio Araujo, que estão em "Através da Janela", novo filme de Tata Amaral |
"Através da Janela", filme da diretora de "Um Céu de Estrelas", conta drama de amor entre mãe e filho; primeira exibição acontece em festival na Holanda
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JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas
A mais vigorosa diretora do cinema brasileiro volta a atacar.
"Através da Janela", o novo filme
de Tata Amaral, será apresentado
na seção Première Mundial do 29º
Festival Internacional de Cinema
de Roterdã (Holanda), que vai de
26 de janeiro a 6 de fevereiro.
A exemplo do primeiro longa-metragem da diretora -o premiado "Um Céu de Estrelas"-,
trata-se de uma dilacerante história de amor e ódio. Só que, desta
vez, entre mãe (Laura Cardoso) e
filho (Fransérgio Araujo).
"Através da Janela" foi rodado
em julho e agosto de 98, no bairro
da Lapa, em São Paulo. Custou R$
1,35 milhão. A maior parte dos recursos veio do Banespa, do
BNDES, da Riofilme e da Tecban
e Salvaguarda, por meio das leis
do Audiovisual e Mendonça, e do
Hubert Bals, um fundo holandês
de apoio ao cinema independente, ligado ao Festival de Roterdã.
O roteiro de "Através da Janela"
foi escrito pela própria cineasta,
em parceria com Jean-Claude
Bernardet e Fernando Bonassi, a
partir de argumento original de
Bernardet, premiado num concurso da Prefeitura de São Paulo,
em 1997.
Tata Amaral falou à Folha sobre
a realização do filme, que deve estrear no Brasil em maio.
Folha - "Através da Janela" é
radicalmente diferente de "Um
Céu de Estrelas". Houve uma intenção deliberada de mudar de
registro, para não ficar identificada com uma fórmula?
Tata - Cada história "pede" uma
maneira determinada de ser contada. Eu tive que interpretar esta
história e o estilo é o resultado
dessa interpretação. Não dava para imaginar uma câmera agitada
seguindo Selma (Laura Cardoso),
uma senhora de emoções contidas.
Folha - Algumas das cenas
mais marcantes do filme são as
que mostram uma relação ambígua entre mãe e filho, na fronteira do afeto com o erótico. Como você trabalhou essa sugestão edipiana para evitar que
descambasse?
Tata - Toda a história do filme
foi construída a partir de uma
premissa: Selma e Raí não se dão
conta do erotismo de suas relações. No momento em que ele
vem à tona, eles se constrangem
absurdamente, mas continuam
sem reconhecê-lo. Por não poder
reconhecê-lo, Selma se deixa iludir até o desfecho e Raí, na tentativa de romper e punir a mãe, a leva
a cometer atos irreparáveis. Os
atores compreenderam isso perfeitamente.
Além disso, "Através da Janela"
é um filme de silêncios. Nada melhor do que o silêncio para expressar o que não pode ser dito.
Na direção de atores, trabalhei
com Márcio Aurélio, do grupo
Razões Inversas. A todo momento procurávamos traduzir em
ações físicas ou em olhares as intenções dos personagens. Nada
me dava mais prazer do que ver
Laura Cardoso dando vida ao seu
papel diante de nós.
Folha - O filme tem uma construção sutil, voltando sempre
aos mesmos ambientes, mas
mostrando-os de ângulos diferentes. Você chegou a fazer
"storyboard" (desenho do filme,
plano a plano) antes de filmar?
Tata - Sim, sobretudo dos dois
primeiros dias da história. Esse é
um trabalho muito demorado.
Mas, uma vez estabelecidos os enquadramentos dos primeiros
dias, o resto foi fácil. Tratava-se de
repetir alguns deles, em ângulos
diferentes.
No início do filme, usamos
grande angular em planos mais
abertos. Selma está senhora de si e
em seu ambiente. A partir de um
determinado momento, Selma
vai perdendo controle da situação, então usamos teleobjetiva,
que é uma lente que aproxima os
personagens mas desfoca o fundo. Selma não consegue mais pertencer ao seu próprio espaço.
No último dia, numa tentativa
desesperada de restabelecer o
controle de sua vida, voltamos a
usar grande angular. Mas o mundo de Selma está irremediavelmente desestruturado. Sua casa,
um ambiente antes extremamente silencioso, está invadida por todos os ruídos externos. De qualquer maneira, queríamos tratar o
cotidiano de Selma de maneira ritualizada: há o ritual de fazer comida para o filho, de servir suas
refeições, de cuidar da casa. Ela
está presa a esses rituais.
Folha - Você fez muitas tomadas de cada cena?
Tata - O filme pedia que rodássemos muito mais tomadas do
que foram necessárias em "Um
Céu de Estrelas". Os movimentos
de câmera do filme, embora não
pareça, são muito elaborados e
complicados de se realizar.Além
disso, para gravar o som direto
sem nenhum ruído externo, precisávamos optar pela repetição,
pois, na maior parte do filme,
queríamos ouvir apenas os atores
-que falam baixo- e o ruído
que eles fazem ao se movimentar
na casa.
Folha - A sequência em que
Selma vai com o filho à casa onde está o rapaz ferido destoa do
realismo do restante do filme.
Há ali uma iluminação quase expressionista (só parcialmente
justificada pela clandestinidade
da ação), e os atores chegam ao
limiar do caricatural. É quase
uma cena de pesadelo da protagonista. Isso foi proposital?
Tata - Nessa cena eu decidi
acentuar tudo o que havia sido
trabalhado até então.Trabalhamos com a idéia de "representação de um significado", a partir de
símbolos conhecidos. As sequências culminam num significado e
essa culminância se traduz numa
imagem conhecida. Por exemplo,
logo no começo do filme há uma
mesa de café da manhã que remete às cenas de comercial de margarina, ou pelo menos, esta foi
nossa inspiração. Em seguida, a
mãe serve o filho, de pé, ao seu lado, como expressão de servidão.
As cores têm todo um significado simbólico, de inspiração kandinskiana. São puras, intensas e
improváveis, do ponto de vista
realista. Eu trabalhei nesse registro, e na cena a que você se refere,
ele foi levado às últimas consequências, finalizando com Selma
ao lado do leito do rapaz, com um
vitral absurdo ao fundo, numa referência direta à Madona ao lado
de Cristo morto.
Folha - Quais são seus próximos projetos?
Tata - Tenho dois: um musical
rap intitulado "Lila Rapper", com
roteiro de Jean-Claude Bernardet
e Luiz Alberto de Abreu, e "Sedução", um roteiro que quero desenvolver com Jean-Claude e que,
por incrível que pareça, é uma
adaptação de um livro técnico de
Direito Civil, "Crimes Contra os
Costumes e Assédio Sexual - Doutrina e Jurisprudência", de Luiza
Nagib Eluf.
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