São Paulo, Sexta-feira, 14 de Janeiro de 2000


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Tata Amaral leva seu Édipo rebelde a Roterdã

Divulgação
Lauro Cardoso e Fransérgio Araujo, que estão em "Através da Janela", novo filme de Tata Amaral



"Através da Janela", filme da diretora de "Um Céu de Estrelas", conta drama de amor entre mãe e filho; primeira exibição acontece em festival na Holanda


JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

A mais vigorosa diretora do cinema brasileiro volta a atacar. "Através da Janela", o novo filme de Tata Amaral, será apresentado na seção Première Mundial do 29º Festival Internacional de Cinema de Roterdã (Holanda), que vai de 26 de janeiro a 6 de fevereiro.
A exemplo do primeiro longa-metragem da diretora -o premiado "Um Céu de Estrelas"-, trata-se de uma dilacerante história de amor e ódio. Só que, desta vez, entre mãe (Laura Cardoso) e filho (Fransérgio Araujo).
"Através da Janela" foi rodado em julho e agosto de 98, no bairro da Lapa, em São Paulo. Custou R$ 1,35 milhão. A maior parte dos recursos veio do Banespa, do BNDES, da Riofilme e da Tecban e Salvaguarda, por meio das leis do Audiovisual e Mendonça, e do Hubert Bals, um fundo holandês de apoio ao cinema independente, ligado ao Festival de Roterdã.
O roteiro de "Através da Janela" foi escrito pela própria cineasta, em parceria com Jean-Claude Bernardet e Fernando Bonassi, a partir de argumento original de Bernardet, premiado num concurso da Prefeitura de São Paulo, em 1997.
Tata Amaral falou à Folha sobre a realização do filme, que deve estrear no Brasil em maio.

Folha - "Através da Janela" é radicalmente diferente de "Um Céu de Estrelas". Houve uma intenção deliberada de mudar de registro, para não ficar identificada com uma fórmula?
Tata -
Cada história "pede" uma maneira determinada de ser contada. Eu tive que interpretar esta história e o estilo é o resultado dessa interpretação. Não dava para imaginar uma câmera agitada seguindo Selma (Laura Cardoso), uma senhora de emoções contidas.

Folha - Algumas das cenas mais marcantes do filme são as que mostram uma relação ambígua entre mãe e filho, na fronteira do afeto com o erótico. Como você trabalhou essa sugestão edipiana para evitar que descambasse?
Tata -
Toda a história do filme foi construída a partir de uma premissa: Selma e Raí não se dão conta do erotismo de suas relações. No momento em que ele vem à tona, eles se constrangem absurdamente, mas continuam sem reconhecê-lo. Por não poder reconhecê-lo, Selma se deixa iludir até o desfecho e Raí, na tentativa de romper e punir a mãe, a leva a cometer atos irreparáveis. Os atores compreenderam isso perfeitamente.
Além disso, "Através da Janela" é um filme de silêncios. Nada melhor do que o silêncio para expressar o que não pode ser dito. Na direção de atores, trabalhei com Márcio Aurélio, do grupo Razões Inversas. A todo momento procurávamos traduzir em ações físicas ou em olhares as intenções dos personagens. Nada me dava mais prazer do que ver Laura Cardoso dando vida ao seu papel diante de nós.

Folha - O filme tem uma construção sutil, voltando sempre aos mesmos ambientes, mas mostrando-os de ângulos diferentes. Você chegou a fazer "storyboard" (desenho do filme, plano a plano) antes de filmar?
Tata -
Sim, sobretudo dos dois primeiros dias da história. Esse é um trabalho muito demorado. Mas, uma vez estabelecidos os enquadramentos dos primeiros dias, o resto foi fácil. Tratava-se de repetir alguns deles, em ângulos diferentes.
No início do filme, usamos grande angular em planos mais abertos. Selma está senhora de si e em seu ambiente. A partir de um determinado momento, Selma vai perdendo controle da situação, então usamos teleobjetiva, que é uma lente que aproxima os personagens mas desfoca o fundo. Selma não consegue mais pertencer ao seu próprio espaço.
No último dia, numa tentativa desesperada de restabelecer o controle de sua vida, voltamos a usar grande angular. Mas o mundo de Selma está irremediavelmente desestruturado. Sua casa, um ambiente antes extremamente silencioso, está invadida por todos os ruídos externos. De qualquer maneira, queríamos tratar o cotidiano de Selma de maneira ritualizada: há o ritual de fazer comida para o filho, de servir suas refeições, de cuidar da casa. Ela está presa a esses rituais.

Folha - Você fez muitas tomadas de cada cena?
Tata -
O filme pedia que rodássemos muito mais tomadas do que foram necessárias em "Um Céu de Estrelas". Os movimentos de câmera do filme, embora não pareça, são muito elaborados e complicados de se realizar.Além disso, para gravar o som direto sem nenhum ruído externo, precisávamos optar pela repetição, pois, na maior parte do filme, queríamos ouvir apenas os atores -que falam baixo- e o ruído que eles fazem ao se movimentar na casa.

Folha - A sequência em que Selma vai com o filho à casa onde está o rapaz ferido destoa do realismo do restante do filme. Há ali uma iluminação quase expressionista (só parcialmente justificada pela clandestinidade da ação), e os atores chegam ao limiar do caricatural. É quase uma cena de pesadelo da protagonista. Isso foi proposital?
Tata -
Nessa cena eu decidi acentuar tudo o que havia sido trabalhado até então.Trabalhamos com a idéia de "representação de um significado", a partir de símbolos conhecidos. As sequências culminam num significado e essa culminância se traduz numa imagem conhecida. Por exemplo, logo no começo do filme há uma mesa de café da manhã que remete às cenas de comercial de margarina, ou pelo menos, esta foi nossa inspiração. Em seguida, a mãe serve o filho, de pé, ao seu lado, como expressão de servidão.
As cores têm todo um significado simbólico, de inspiração kandinskiana. São puras, intensas e improváveis, do ponto de vista realista. Eu trabalhei nesse registro, e na cena a que você se refere, ele foi levado às últimas consequências, finalizando com Selma ao lado do leito do rapaz, com um vitral absurdo ao fundo, numa referência direta à Madona ao lado de Cristo morto.

Folha - Quais são seus próximos projetos?
Tata -
Tenho dois: um musical rap intitulado "Lila Rapper", com roteiro de Jean-Claude Bernardet e Luiz Alberto de Abreu, e "Sedução", um roteiro que quero desenvolver com Jean-Claude e que, por incrível que pareça, é uma adaptação de um livro técnico de Direito Civil, "Crimes Contra os Costumes e Assédio Sexual - Doutrina e Jurisprudência", de Luiza Nagib Eluf.


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