São Paulo, segunda-feira, 14 de janeiro de 2002

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POLÍTICA CULTURAL

Marcos Mendonça, secretário da Cultura de SP, deixa cargo dia 22 com orçamento comprometido

Fim de festa

France Presse
Ensaio na Sala São Paulo, no dia de sua inauguração em 9/7/99, marco da gestão de Mendonça, que também foi foco de acusações


FABIO CYPRIANO
SILVANA ARANTES


DA REPORTAGEM LOCAL

O secretário de Estado da Cultura de São Paulo, Marcos Mendonça, 55, deixa seu cargo no próximo dia 22, a pedido do governador Geraldo Alckmin, para candidatar-se a deputado estadual.
Durante duas gestões consecutivas, portanto oito anos, Mendonça tornou-se um recorde em permanência no cargo. "Não há secretário que tenha ficado mais de dois anos nessa função", afirma Mendonça.
Durante o período à frente da pasta, Mendonça deixa como herança a Sala São Paulo e a Pinacoteca do Estado, que já se tornaram cartão-postal da cidade. Mas também lhe valeram acusações por usar uma empreiteira, a Construtécnica, que fez a maior doação à campanha eleitoral do governador Mário Covas. A empresa continua realizando obras para a secretaria.
Por três horas, em dois momentos diferentes, Mendonça concedeu uma entrevista à Folha, em seu gabinete, no mesmo edifício onde funciona a pomposa Sala São Paulo. Explicou que seu sucessor não vai poder fazer festa, pois toda verba da secretaria para 2002 já está comprometida, e fez um balanço de sua gestão. Leia a seguir os melhores trechos.

Folha - O senhor foi acusado de contratar uma empresa, a Construtécnica, que contribuiu com a maior doação de campanha para a eleição do governo Covas. Essa empresa continua envolvida com projetos da secretaria?
Marcos Mendonça -
Essa polêmica foi um grande equívoco. Esqueceram de ver que obras como a do teatro São Pedro e a do Arquivo do Estado haviam sido contratadas em gestões anteriores. Essa é uma empresa que se especializou na questão do restauro. Houve uma concorrência internacional para a Sala São Paulo. Um grupo espanhol ganhou e depois contratou a Construtécnica para executar alguns dos serviços.

Folha - A Construtécnica participa da reforma do Dops?
Mendonça -
Sim.

Folha - Houve licitação?
Mendonça -
Houve uma licitação. Hoje essa é a única empresa no Brasil que tem requisitos, atestados e currículo para tal obra com padrão internacional.

Folha - O que o sr. considera ter sido o perfil de sua gestão cultural?
Mendonça -
Definimos que iríamos trabalhar numa linha de excelência. A secretaria se propunha a ser uma referência para o produtor cultural. Outra prioridade era ampliar o acesso, democratizar a cultura no Estado, tentar espalhá-la o máximo possível para o interior. Trabalhamos para usar a cultura como um instrumento para a revitalização do centro de São Paulo e como um instrumento de transformação social.

Folha - No entanto, uma crítica frequente à sua gestão é que houve concentração de ações e investimentos na capital, em detrimento do interior.
Mendonça -
No interior, você faz os projetos com as cidades. Ajudamos uma quantidade enorme de cidades a fazer biblioteca, a fazer teatro. Evidentemente não são equipamentos da dimensão de uma Sala São Paulo, mas desenvolvemos projetos no interior de importância brutal.

Folha - O orçamento de 2002, em torno de R$ 80 milhões, é insuficiente para todas as ações empreendidas pela secretaria, o que obriga à busca de novas fontes. O que o sr. julga correto em termos de alternativas orçamentárias para a gestão pública da cultura?
Mendonça -
Num país como o Brasil, em que há necessidades primárias fundamentais, você tem sempre uma pequena dotação para a área da cultura. Por isso, defendo a necessidade de fontes alternativas para financiar a cultura. A secretaria não tem de ser uma operadora cultural, mas uma fomentadora, tem que articular, dar mecanismos, fazer com que o produtor cultural, o artista possa desenvolver seu trabalho. Esse é o papel fundamental da secretaria. Defendo ardorosamente o incentivo fiscal à cultura. Fui autor de uma lei que criou esse mecanismo no município, porque o incentivo fiscal não compete com outras áreas para disputar mercado. Em São Paulo, o que pode ser a grande alternativa, uma revolução para a questão cultural é a loteria da cultura.

Folha - Críticos ao modelo da gestão pelo incentivo fiscal apontam como uma de suas precariedades o fato de as decisões sobre o que produzir obedecerem exclusivamente a critérios mercadológicos.
Mendonça -
Na medida em que você tem incentivo fiscal, você desonera o Estado de uma série de compromissos que ele teria de assumir. Ou seja, permite que o Estado possa investir nesses setores que não têm capacitação para buscar recursos no mercado, por serem projetos experimentais, de vanguarda.

Folha - O projeto de transformar os equipamentos culturais em organizações sociais, sendo portanto geridos por entidades privadas, responde a esse objetivo?
Mendonça -
Entendo que é fundamental você ter, na área da cultura, um mecanismo que não seja atrelado ao Estado, para que você possa ter a captação de recursos com mais facilidade, possa dar um retorno de imagem com mais facilidade, possa eventualmente cobrar direito autoral, de imagem, de arena. A organização social tem uma flexibilidade própria da iniciativa privada.
Dentro dessa estratégia, contratei a Fundação Getúlio Vargas, que preparou todos os estudos, e os estou encaminhando ao governador para que ele tome a decisão da implantação ou não.

Folha - O sr. não teme que a administração desses equipamentos culturais passe a adotar uma linha excessivamente mercadológica?
Mendonça -
Isso não me preocupa. Veja o que acontece com o Incor. O Incor nada mais é que uma organização social que administra um equipamento do Estado, que é aquele hospital que faz parte do Hospital das Clínicas. Enfim, há formas de captar recursos além das formas normais e que apresentem um padrão de excelência.

Folha - Existe uma verba do orçamento não-comprometida para o seu sucessor?
Mendonça -
As verbas são todas amarradas aos mais diversos departamentos. Cada departamento tem a sua programação. O meu sucessor vai estar com um orçamento já definido para as mais diversas áreas. Ele terá pouca mobilidade. Terá de cancelar um projeto se pretender criar algo novo.

Folha - Um ponto polêmico de sua gestão é o projeto PIC-TV (Programa de Integração Cinema-TV). Por que o programa acabou?
Mendonça -
Esse é o modelo mais adequado de cinema, o negócio mais inovador que se fez neste país, tentando casar um canal de TV com a produção cinematográfica, em escala industrial. Esse ano tivemos dois problemas. A Fiesp havia se comprometido a colocar outro tanto de recursos além daquilo que o governo colocasse. E a Fiesp entendeu que não seria possível captar esses recursos. Tínhamos também uma perspectiva de ter recursos vindos da privatização da Cesp. Como não houve a privatização da Cesp, não pudemos pegar esses recursos. Então, suspendemos o PIC-TV. Não quer dizer que ele tenha acabado, mas, como não tenho recursos, não vou deixar o sujeito na fila com a expectativa de que terá dinheiro.


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