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LIVRO/LANÇAMENTO
Autor de "A Filosofia da Caixa-Preta" viveu 32 anos no Brasil
Obra joga luz sobre Vilém Flusser
HENRI CARRIÈRES
DA SUCURSAL DO RIO
Contraditoriamente, uma importante contribuição que o Brasil deu à cultura do século 20 é fruto da inteligência de um tcheco.
Vilém Flusser (1920-1991) nasceu em Praga e chegou ao Brasil
em 1940. Emigrou acompanhado
de Edith Barth, sua mulher, companheira de toda a vida. Os dois
fugiam do terror nazista que em
1942 vitimaria a mãe e a irmã mais
nova de Flusser, prisioneiras em
Auschwitz.
Foram 32 anos no Brasil, durante os quais Flusser, autodidata,
desenvolveu intensa atividade filosófica.
Desde que Flusser morreu
-em 1991, em acidente de carro
na sua Praga natal-, já foram
realizados dez congressos internacionais sobre seu pensamento.
"A Filosofia da Caixa-Preta", sua
obra mais famosa, está traduzida
em 15 idiomas.
Apesar da sólida reputação alcançada no exterior, ele permanece pouco conhecido no país em
que viveu a maior parte da vida.
Com a publicação de "A Dúvida
de Flusser: Filosofia e Literatura",
primeiro estudo de fôlego sobre o
filósofo, Gustavo Bernardo, professor de teoria literária da Uerj
(Universidade do Estado do Rio
de Janeiro), deu aquilo que pode
ser o primeiro sinal para resgatá-lo do esquecimento.
Apesar de ter lido Flusser pela
primeira vez em 1979 (o filósofo
regressara à Europa sete anos antes), a decisão de estudá-lo veio
apenas em 1991, ano de sua morte.
Após entrar em contato com a
viúva de Flusser em 1996, Bernardo viajou a Barbados, arquipélago
do Caribe onde a filha do filósofo,
Dinah, servia como embaixadora.
Voltou com duas malas abarrotadas de datiloscritos fotocopiados.
Flusser, autor de 36 livros e incontáveis artigos, muitos ainda
inéditos, nunca se separava de sua
máquina de escrever mecânica.
Ele costumava redigir seus textos
quatro vezes, em alemão, português, inglês e francês (nessa ordem). Só não usava precisamente
a língua materna, o tcheco, por
considerá-la "adocicada" demais.
A abundância do material reunido por Bernardo em sua viagem
lhe permitiu abordar aspectos até
então pouco explorados do pensamento de Flusser.
"Já saíram algumas coisas sobre
ele na Europa (tem muito pouca
gente estudando Flusser no Brasil) e sempre sobre a última parte
da filosofia dele, a parte européia,
sobre a teoria dos "media". Mas o
mais fascinante é o início, que é a
parte de filosofia da linguagem e
da existência", diz.
Estrangeiro
A própria personalidade de
Flusser contribuiu para que se
criasse resistência a ele no meio
intelectual brasileiro. Sua forma
de dialogar era voluntariamente
agressiva, ele mesmo o reconhecia, embora pedisse a seus interlocutores igual tratamento para si.
De início, a falta de titulação
adequada barrou o acesso de
Flusser à universidade. Durante
muitos anos, ele ganhou a vida
como negociante de rádios e
componentes eletrônicos.
A aproximação com o meio acadêmico aconteceu no início dos
anos 60, por intermédio de Vicente Ferreira da Silva, que o levou
para o Instituto Brasileiro de Filosofia, e Milton Vargas, professor
de física da Universidade de São
Paulo, de onde se tornou professor. Mas suas críticas acerbas à esquerda lhe valeram, na USP, a pecha de direitista. "Ele ficava magoadíssimo com isso", afirma Bernardo.
A DÚVIDA DE FLUSSER: FILOSOFIA E
LITERATURA. De: Gustavo Bernardo.
Editora: Globo. Quanto: R$ 35 (316 págs).
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