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ARTES PLÁSTICAS
Apesar da instabilidade econômica, cresce interesse por obras, e galeristas comemoram resultados de 2002
Crise é mecenas para artistas argentinos
MARCELO BILLI
DE BUENOS AIRES
Juanito Laguna não tem mais de
12 anos e vive no que os argentinos chamam de "villa miseria"
-para os brasileiros, uma favela.
Entre outubro e novembro do
ano passado, mais de 100 mil argentinos visitaram o Centro Cultural Recoleta, um dos importantes espaços de exposição argentinos, para ver quadros que retratam Juanito.
Foi uma das últimas grandes exposições do ano. Eram 24 quadros do consagrado pintor argentino Antonio Berni (1905-1981),
que criara o personagem Juanito
para retratar as crianças pobres
da Argentina. Berni pintou Juanito quando os argentinos, principalmente os moradores de Buenos Aires, acreditavam viver na
"Paris da América Latina".
Dois meses de exposição e Berni
acabou sendo apelidado de "o
pintor dos cartoneiros". Cartoneiro, na Argentina, é quem vive
de recolher papel e papelão nas
ruas. Poucos se davam conta da
sua existência até que milhares de
desempregados invadiram as
ruas da capital argentina no último ano para ganhar a vida vendendo papelão.
"Os argentinos descobriram os
cartoneiros e, de alguma maneira,
redescobriram a arte argentina
em 2002", diz Ana Maria Battistozzi, crítica de arte e organizadora do evento "Estúdio Aberto",
para explicar a efervescência cultural em um ano em que a economia do país ruiu, e não poucos falaram em guerra civil. Durante os
dois finais de semana do evento
organizado por ela, 200 artistas
argentinos abriram seus estúdios
ao público. Mais de 40 mil pessoas
participaram dos eventos.
A crise, os cartoneiros, os piquetes em estradas e avenidas de Buenos Aires estão em muitas obras.
"Nós argentinos sempre tentamos achar uma explicação para
tudo. A minha explicação para todo este interesse é que, depois que
a classe média argentina se viu espoliada de tudo, de emprego, de
suas poupanças, de sua qualidade
de vida, acabou se refugiando na
arte e nas manifestações culturais", diz Battistozzi.
Paradoxo
A economia argentina encolheu, e metade dos argentinos está
subempregada ou desempregada.
Ainda assim, a Associação dos
Donos de Galerias de Buenos Aires comemora os bons resultados
do ano passado. Foi a primeira
vez, diz o presidente da instituição, Álvaro Castagnino, que o
país atravessou uma crise grave
sem que fossem afetadas as vendas de obras de arte.
Parte do sucesso os economistas
explicam: os preços das obras caíram. A moeda argentina, até o início de 2001, era atrelada ao dólar, e
uma obra de 1.000 pesos era vendida por US$ 1.000. Hoje, seria
possível comprar a mesma obra
por menos de US$ 400. Outra explicação de economista: os argentinos que antes compravam caras
reproduções de obras européias,
hoje se voltam para os jovens artistas do país, com obras mais baratas.
Mas o dinheiro não explica tudo, diz Battistozzi. Há um vivo interesse dos argentinos para entender o que ocorreu com o país. As
artes visuais foram, por enquanto,
um dos refúgios mais procurados.
Os artistas responderam. Prova
do interesse? Um dos mais tradicionais colecionadores argentinos, o empresário Mauro Herlitzca, comprou, para espanto dos
que o consideravam um colecionador "conservador", vários trabalhos que retratavam os "piqueteiros", grupos de desempregados
que bloqueiam as estradas argentinas para exigir emprego e subsídios do governo argentino.
Os artistas também se esforçam
para vender. Em dezembro, mais
de mil artistas se reuniram e fizeram uma verdadeira liquidação.
Organizaram um "Outlet das Artes" e colocaram à venda mais de
3 mil obras, muitas com "descontos de mais de 50%".
Recursos escassos
"Há uma grande energia alimentando as artes visuais argentinas. O problema é que a cultura
não se alimenta só de energia,
precisamos de investimentos",
ressalva Battistozzi. Monica Poggi, assistente do Museu de Arte
Moderna de Buenos Aires, sente
na pele, hoje, o problema que Battistozzi prevê para o futuro.
O governo argentino está virtualmente quebrado, e, por extensão, o museu também. Os funcionários só receberão salário, na
melhor das hipóteses, em abril.
Por enquanto, o museu vive da
"energia" de artistas e doadores
particulares. A maioria das obras
do acervo em exibição é de jovens
artistas que as doaram numa espécie de "operação solidária".
Estão no museu vários trabalhos da fotógrafa Fabiana Barreda, 35. Uma réplica, feita de açúcar, da Casa Rosada, sede do governo argentino. E quatro fotos,
nas quais enormes dinossauros
ameaçam destruir o prédio.
As fotos ficaram prontas poucos dias depois de 20 de dezembro, aniversário de um ano do que
os argentinos chamam de "argentinaço", quando a classe média,
batendo panelas, saiu às ruas e
derrubou o governo do presidente Fernando de la Rúa.
Foi a obra de maior sucesso durante uma visita de estudantes de
10 a 12 anos. A professora explicava: "Infelizmente para os argentinos, Deus extinguiu os dinossauros há muito tempo".
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