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Inquietude a óleo
Miguel Rio Branco
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"Homenagem a Goeldi", painel do artista Miguel Rio Branco de 2001-2002, que traz seis paisagens de Cuba |
Em busca de nova direção na fotografia, Miguel Rio Branco faz caminho de volta à pintura; artista também prepara livro e exposição na Espanha
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LUCRECIA ZAPPI
FREE-LANCE PARA A FOLHA
"A fotografia se banalizou. Vou
pintar". O desabafo de Miguel Rio
Branco é um paradoxo sem escolhas. O fotógrafo, que sempre alimentou sua inquietude existencial com tinta a óleo ou, pelo menos, tem como ponto de interseção entre as duas artes uma densa
gravidade cromática, toma um
café em seu ateliê no bairro de
Santa Tereza no Rio de Janeiro e
fala à Folha que quer pensar um
pouco só em pintura, "até para renovar a fotografia".
Enquanto Rio Branco faz um retorno à pintura, planeja o livro
"Negativo Sujo" com mais de 150
fotos em preto e branco, feitas durante viagens pelo Brasil nos anos
70. "Vai ser publicado nesse ano
na França, pela editora Alexis Fabris, vamos ver se a Cosac & Naify
entra com uma publicação brasileira. Seria essencial", diz.
Rio Branco inaugura no dia 21
uma exposição em Madri, na galeria Oliva Arauna, e, em junho
participa de uma coletiva em Tóquio, organizada pela Brasil Connects. Para o segundo semestre
prepara uma grande exposição
individual na galeria André Millan, em São Paulo.
Folha - Como é a apropriação da
fotografia pelos artistas hoje em
dia?
Miguel Rio Branco -Criou-se
uma nova classe o mercado de arte, que são os artistas que usam a
fotografia, e dizem: "Eu não sou
fotógrafo, eu só uso a fotografia".
Eu acho que isso é uma postura
classista, barra pesada, porque na
história da fotografia você vê que
tem pessoas profundamente "artistas", além de saberem fazer laboratório e tudo o mais, do nível
do Man Ray ou Cartier-Bresson,
que são fotógrafos, mas também
artistas.
Folha - Na sua opinião, por que o
número de artistas trabalha com a
fotografia cresceu tanto?
Rio Branco - Hoje em dia as máquinas são automáticas, os laboratórios fazem tudo e o pessoal na
verdade não sabe fazer mais nada,
nem pintar ou desenhar. Aí eles
têm pequenos saques de idéias
que, a meu ver, tem levado a fotografia para uma área completamente reacionária, ilustrativa. Há
uma classificação que não é correta.
Folha - Vivemos uma fase de novos conceitos?
Rio Branco - Dentre os fotógrafos
mais tradicionais há os que têm
mais conceito e outros que têm
menos, mas, hoje em dia, muitos
dos que dizem ter conceito, os
têm absolutamente baratos, primários. É o tipo de fotografia exposta nas bienais hoje em dia: um
trabalho muito mais documental,
antropológico do que artístico. E
isso eu acho um atraso, um retrocesso criativo.
Folha - E no Brasil?
Rio Branco - Eu acho que isso
acontece no mundo todo. O Brasil
foi mais documental há um tempo atrás, mas hoje em dia está tudo parecido. O que falta é uma
questão de originalidade própria,
da pessoa ter mais uma questão
existencial no processo criativo.
Folha - Há uma crise na arte?
Rio Branco - Acho que é uma fase
passageira de crise de criação no
mundo, que se resume a uma
questão temática.
Folha - Por que temático?
Rio Branco - Porque todas as bienais e grandes exposições estão
relacionadas a um tema. É muito
mais fácil para o curador falar para a mídia em temas porque as
pessoas, aparentemente, entendem com maior facilidade.
Folha - Você acha que existe aí
um didatismo reacionário?
Rio Branco - Acho que sim. É uma
estética que poderia sair de um
jornal ou de um estudo antropológico visual. É a volta ao representativo, no caso da fotografia.
Folha - E como você se defende?
Vai voltar a pintar?
Rio Branco - Eu nunca parei de
pintar, inclusive minha fotografia
tem um lado pictórico desde o começo. Não estou dizendo que vou
parar de fazer fotografia, muito
pelo contrário. É uma vontade de
sair de toda uma dependência tecnológica. É necessário um retorno
à pintura inclusive para retomar
uma outra direção na fotografia.
Senão você fica se repetindo e a
única coisa que eu repito é a temática interna existencial.
Folha - Há uma dimensão simbólica na sua obra?
Rio Branco - Na série dos boxeadores, por exemplo, o corpo passou a se desmanchar, em movimentos fantasmagóricos. A temática do meu trabalho é a das marcas do tempo, com corpos marcados, lugares marcados. O tempo
de exposição que deixa a própria
marca dentro da imagem, é a própria questão da luz. E a fotografia
tem essa ligação com a questão do
tempo, de várias maneiras.
Folha - Como você constrói a luminosidade das imagens?
Rio Branco - Existe uma questão
inconsciente que se manifesta no
meu trabalho. O conceito é muitas vezes construído não a priori.
Eu não vou dizendo "Eu vou fazer
exatamente isso". Tem coisas que
eu já sei mais ou menos o que eu
quero, mas a surpresa do achar é
muito importante para mim.
Quais são suas influências e fotógrafos que têm pontos em comum com a sua obra?
O único fotógrafo que pode ter
talvez me influenciado diretamente foi o Bill Brandt, com um
céu puro, chumbado, aquela coisa
bem dramática. Mas eu era um
auto-didata mesmo. Robert
Rauschenberg e Paul Klee são
pintores que eu gosto muito.
Quando comecei a pintar, na Suíça, eu gostava de coisas horrorosas como o Bernard Buffet (risos).
Mas aí eu tinha uns 15, 16 anos.
Folha - Existe uma fascinação sua
pelo submundo, pela marginalização, que é um tema que aparece
frequentemente no seu trabalho?
Rio Branco - Sempre houve essa
fascinação e talvez essa identificação. Eu sendo filho de diplomata e
vivendo em vários lugares do
mundo sempre me senti fora de
qualquer lugar. Então você se coloca numa posição meio marginal. As raízes são desconstruídas
e, ao mesmo tempo, há várias novas conexões. E no Brasil, quando
eu comecei a fotografar, uma das
questões que tinha nos anos 70
era a miséria total e a marginalidade de uma população.
Folha - Como você vê a produção
dos jovens artistas hoje em dia?
Rio Branco - Eu vejo uma vontade
enorme de entrar no mercado,
que cresceu muito, dinamizou
muito. O trabalho tem que ser
bem resolvido esteticamente, ter
um pequeno saque. Mas a arte vai
fundo na pessoas, não é decoração. É chato dizer isso, mas eu estou parando de acompanhar porque você sai meio vazio das exposições. Prefiro ir à Praça Quinze
ou ao brechó.
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