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CARLOS HEITOR CONY
Turismo ecológico
Deus é testemunha do meu
respeito pela causa ecológica. Um dia dos anos mais antigos,
passeando na Lagoa, encontrei
um grupo de meninos que jogavam pedras para o ar por nada
mesmo, só para testar a lei da gravidade. Uma das pedras quase
me pegou, e eu aproveitei a oportunidade para, serenamente (ou
melhor, na base de filhos daquilo), doutriná-los a respeito da
preservação do ambiente.
Poderia ter falado também sobre a camada de ozônio tão severamente ameaçada. Mas, naquele momento -e com aquelas modestas pedradas-, acreditei que
a tal camada de ozônio não corria risco iminente.
Leio que está na moda, no Primeiro Mundo (que compulsoriamente faz parte do mesmo ambiente do Terceiro Mundo), um
tipo de "turismo ecológico". Não
entendi o espírito da coisa. Li alguns prospectos que me convidavam (e até me incitavam) a conhecer esqueletos fossilizados de
dinossauros e uma extravagante
libélula, cuja espécie está em extinção, mas que sobrou para contar a história e apagar a luz do
aeroporto do país das libélulas.
Confesso que, por maior que seja o meu amor à natureza e minha especial veneração pelas libélulas e dinossauros, não chego a
tanto. Eu não sairia da Lagoa
nem arredaria um centímetro do
meu pequeno mundo para tal e
tamanho deleite. Prefiro, honestamente, continuar praticando
meu predatório turismo não-ecológico, visitando as mesmas catedrais, os mesmos museus e, o diabo ajudando, meus roteiros sentimentais, de sempre e de tudo.
Não é de hoje que os fanáticos
pela ecologia nutrem sinistros
propósitos a meu respeito. Tempos atrás, precisando fazer pequena ampliação no apartamento de
um caseiro, em Cabo Frio, tentei
deslocar um limoeiro que nunca
me honrara com o amargo sabor
de um único limão. Ignoro como
as coisas aconteceram: na hora
em que ia começar a deslocar o
tronco, surgiu lá na rua uma comissão brandindo cartazes e vociferações contra meu criminoso
intento e promovendo o mirrado
limoeiro a uma transcendência
metafísica que nem a Árvore do
Bem e do Mal teria merecido.
Diante da evidência de um
atentado ecológico à minha pessoa -eis que também sou um
animal em fase de extinção-, resolvi recolher meus abomináveis
intentos, pedi desculpas genericamente e genericamente fui deixado em paz, juntamente com o limoeiro, que resistiu até a noite.
Protegido pela treva, tirei-o com
cuidado, aproveitando a terra em
torno de suas raízes e replantei-o
mais adiante, de forma a abrir espaço para a pequena ampliação
do conforto de um caseiro -ele
também integrante do ambiente
e fazendo parte de uma espécie
em extinção em fase das mais
adiantadas: há dois anos procuro
outro e não encontro. Depois de
mudar de ares, o limoeiro mudou
de comportamento, deu graças de
cumprir sua nobre função de limoeiro e já produziu alguns
-embora azedos como nenhum
outro limão teve a audácia de ser.
Vai daí, ainda em transe ecológico, volto ao roteiro turístico que
as agências dos países ricos me recomendam. Além dos dinossauros fossilizados, há um convite explícito para ver "com os meus próprios olhos" o emocionante instante em que um tigre se acasala
com uma hipopótama. Admito
que cultivo alguns vícios, mas me
recuso na faixa etária em que me
encontro, a iniciar uma tardia
carreira de "voyeur".
Lá na remota mocidade, certa
vez espiei pelo buraco de uma
providencial fechadura alguma
coisa parecida: uma prima foi
passar a noite de núpcias na casa
de campo onde eu ocupava, com
outro primo, o quarto ao lado. Foi
uma noite emocionante. Não teria, com as núpcias do tigre com a
hipopótama, a mesma emoção.
A lembrança desse reprovável
evento de minha biografia não
me consola nem eleva. Naquele
tempo, foi apenas um ato de pura
e bela sacanagem. Hoje eu poderia invocar poderosos argumentos para justificar minha cúpida
perfídia. Poderia alegar, agora,
que não fui movido por baixos e
reprováveis instintos: eu zelava
pelo ambiente, verificando se minha prima e seu marido cumpriam eficientemente o mesmo
acasalamento que a ecológica
agência de turismo me oferece em
seis suaves prestações mensais.
Não desejo que me levem a mal:
estou disposto a tudo fazer pelo
bem-estar do planeta não apenas
porque moro nele mas também
porque me considero incompetente para desgraçá-lo de forma
comprometedora.
A história do limoeiro de Cabo
Frio não chegou a desfigurar a
Terra nem a prejudicar a salubridade do ar que respiramos. O episódio da prima, se do ponto de
vista moral não figura entre minhas belas ações, tampouco prejudicou o equilíbrio do pólo Norte
e a segurança do eixo gravitacional da Terra -ainda que a prima, na cama, ajudada pelo recém-marido, tenha se esforçado
para isso.
Vai daí, é com o coração contrito e a alma em festa que me preparo cívica e moralmente para o
ano que vem, quando teremos a
ecologia como prato de sustância
nos roteiros de lazer.
Torço para que tudo dê certo,
para que a camada de ozônio, os
hipopótamos, as libélulas e dinossauros idos e vividos tenham o
seu momento de glória -a mesma que não disputo mais, deixando-a de bom grado para heróis de ecologia que, como lá diz o
Evangelho, herdarão a Terra.
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