São Paulo, domingo, 14 de janeiro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Crítica/"Scarface" - versões de 1932 e 1983

Hawks e De Palma deixam as marcas dos grandes cineastas

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

"Remakes" são uma instituição admirável. Por meio deles, quando são feitos por bons diretores, podemos perceber como um tema se deixa reinterpretar após 50 anos. Como as maneiras de representação se transformaram ou no que permanecem imutáveis. Até mesmo a maneira de se vestir e os hábitos dos personagens podem ser cotejados. O "remake" é uma leitura que atualiza um filme antigo ao mesmo tempo em que reafirma o cinema como arte de atualidade.
No caso do "Scarface" de 1932, o que temos é o clássico definitivo do cinema de gângsters, sobre a ascensão do psicopata Tony Camonte à condição de chefão de Chicago nos anos 30. Howard Hawks dirigiu um filme em que o personagem é inspirado em Al Capone, mas a mise-en-scène tem a sabedoria de investir em objetos evidentes como uma metralhadora ou sutis como uma moeda, e o roteiro de Ben Hecht tem a habilidade de fazer de Camonte, mais do que um chefe de gangue, um incestuoso que mal consegue conter a atração que sente pela irmã.
Em seu "Scarface" de 1983, Brian De Palma tem a delicadeza de seguir com grande fidelidade as linhas gerais do original. Tony Montana é um cubano exilado que sobe meteoricamente no universo criminal de Miami. É a única delicadeza do filme: como no original, aqui ninguém hesita na hora de puxar o gatilho.
Se Camonte explora as bebidas, Montana se dedicará ao tráfico de drogas. Ambos cortejarão a mulher do chefe e ambos o liquidarão. Montana e Camonte só compreendem a linguagem da força. A diferença mais sensível não entre eles, mas entre os filmes, na primeira parte, é que Hawks não tem preocupação descritiva em relação a Chicago, enquanto De Palma dedica-se um pouco demais a Miami.
As diferenças se tornam mais evidentes no terço final, em que a superioridade do original em relação ao "remake" será muito clara. Do momento em que Montana começa a se colocar questões existenciais, o filme se enfraquece tremendamente.
Daí resultará, de certa forma, que sua desgraça vai se dever não à ação policial (como no primeiro filme), mas a suas próprias fraquezas. E seu apego à instituição familiar, sua ética, não está desenhada com suficiente evidência por De Palma ao longo do filme para justificar, no caso, nada menos do que o início de sua derrocada.
Quando leva essa derrocada para o confronto entre gangues, todo o moralismo característico dos filmes dos anos 30 é devidamente desbastado.
Embora o "Scarface" de 1983 seja inferior ao de 1932, tem a marca de um grande cineasta. É uma pena que esta edição com os dois filmes não se esforce para ajudar o espectador: os dois discos não trazem nenhum extra com informações capazes de ampliar nossa compreensão sobre esses filmes.


SCARFACE
Distribuidora:
Universal (R$ 43)
Versão de 1932:     

Versão de 1983:    

O DVD:  

Texto Anterior: Última Moda - Alcino Leite Neto: Estilista de Marisa abre Fashion Rio
Próximo Texto: "Monk" faz rir de agruras de detetive
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.