|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Crítica/"Scarface" - versões de 1932 e 1983
Hawks e De Palma deixam as marcas dos grandes cineastas
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
"Remakes" são uma
instituição admirável. Por meio deles,
quando são feitos por bons diretores, podemos perceber como um tema se deixa reinterpretar após 50 anos. Como as
maneiras de representação se
transformaram ou no que permanecem imutáveis. Até mesmo a maneira de se vestir e os hábitos dos personagens podem ser cotejados. O "remake"
é uma leitura que atualiza um
filme antigo ao mesmo tempo
em que reafirma o cinema como arte de atualidade.
No caso do "Scarface" de
1932, o que temos é o clássico
definitivo do cinema de gângsters, sobre a ascensão do psicopata Tony Camonte à condição de chefão de Chicago nos anos
30. Howard Hawks dirigiu um
filme em que o personagem é
inspirado em Al Capone, mas a
mise-en-scène tem a sabedoria
de investir em objetos evidentes como uma metralhadora ou
sutis como uma moeda, e o roteiro de Ben Hecht tem a habilidade de fazer de Camonte, mais do que um chefe de gangue, um incestuoso que mal
consegue conter a atração que
sente pela irmã.
Em seu "Scarface" de 1983,
Brian De Palma tem a delicadeza de seguir com grande fidelidade as linhas gerais do original. Tony Montana é um cubano exilado que sobe meteoricamente no universo criminal de
Miami. É a única delicadeza do
filme: como no original, aqui
ninguém hesita na hora de puxar o gatilho.
Se Camonte explora as bebidas, Montana se dedicará ao
tráfico de drogas. Ambos cortejarão a mulher do chefe e ambos o liquidarão. Montana e Camonte só compreendem a
linguagem da força. A diferença
mais sensível não entre eles,
mas entre os filmes, na primeira parte, é que Hawks não tem
preocupação descritiva em relação a Chicago, enquanto De
Palma dedica-se um pouco demais a Miami.
As diferenças se tornam mais
evidentes no terço final, em que
a superioridade do original em
relação ao "remake" será muito
clara. Do momento em que
Montana começa a se colocar
questões existenciais, o filme se
enfraquece tremendamente.
Daí resultará, de certa forma,
que sua desgraça vai se dever
não à ação policial (como no
primeiro filme), mas a suas
próprias fraquezas. E seu apego
à instituição familiar, sua ética,
não está desenhada com suficiente evidência por De Palma
ao longo do filme para justificar, no caso, nada menos do que
o início de sua derrocada.
Quando leva essa derrocada para o confronto entre gangues,
todo o moralismo característico dos filmes dos anos 30 é devidamente desbastado.
Embora o "Scarface" de 1983
seja inferior ao de 1932, tem a
marca de um grande cineasta. É
uma pena que esta edição com
os dois filmes não se esforce para ajudar o espectador: os dois
discos não trazem nenhum extra com informações capazes
de ampliar nossa compreensão
sobre esses filmes.
SCARFACE
Distribuidora: Universal (R$ 43)
Versão de 1932:
Versão de 1983:
O DVD:
Texto Anterior: Última Moda - Alcino Leite Neto: Estilista de Marisa abre Fashion Rio Próximo Texto: "Monk" faz rir de agruras de detetive Índice
|