São Paulo, quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

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Patinho feio

Um dos poucos atores de sua geração a preferir o teatro à TV, Fernando Eiras, 52, estreia "In on It" em SP

Lenise Pinheiro/Folha Imagem
O ator Fernando Eiras pora no tatro Faap, em São Paulo, onde estreia "In on it" amanhã

LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL

Deve ser um cacoete assimilado pelo trabalho com a Cia. dos Atores e seu jogo constante de entrar e sair do personagem: em 2h30 de conversa, o ator Fernando Eiras, 52, troca de pele a todo instante.
Esguio na poltrona do hall de hotel, ele é o homem que repassa 35 anos de carreira em teatro, cinema e TV. Sabe que está ali para falar da estreia da peça "In on It" ("por dentro", em inglês), texto do canadense Daniel MacIvor em que contracena com Emílio de Mello, sob a direção de Enrique Diaz.
Mas logo despe a persona pública, acomoda-se na ponta do assento, avançando sobre o interlocutor, e tece comentários e confidências que o Eiras "oficial" não se permitiria -tudo soprado em murmúrios que aquele não ouvirá.
Durante a conversa, quer ser ele próprio e outros muitos. Com a volúpia da fala, desafia o outro a tomar as rédeas de seu pensamento. "Tenho pavor do ser humano, muita dificuldade de aproximação. Se me deixarem, vivo num mundo só meu", define-se, antes de baixar a guarda e se espantar com a facilidade com que se deixa conhecer. "Dá vontade de ir ali tomar um sorvete. (...) Só falta acender um baseado."
A certa altura, percebe: "Nem entramos no "In on It", né?" Ainda não. Antes, há que dizer que ele estreou num palco aos nove anos, cantando "Menino Sol" diante dos 30 mil espectadores de um festival da canção, no Maracanãzinho. Criado nos saraus que congregavam a nata da música brasileira (o pai era compositor), gravou três compactos na Philips e foi cortejado por Dalva de Oliveira para um dueto no rádio, mas declinou:
"Era muito para mim. Ela era um deus. [Quando disse não] Minha mãe batia na porta do quarto e gritava: "Fernando Antonio, você não é mais criança!" Eu tinha dez anos", lembra. "Tive de viver 40 anos para cantar com ela, mas só pude fazê-lo sendo Francisco Alves [na minissérie "Dalva e Herivelto']."
Depois do baque, aos 13 anos, Eiras trocou a música pelo teatro. "[Fazer uma peça] É lançar uma ponte para o outro. Eu precisava do outro. Não tinha turma." Encontrou a sua no Tablado, escola de artes cênicas da zona sul carioca onde se formaram muitos dos nomes mais conhecidos da geração de Eiras. Ao contrário de boa parte dela, entretanto, construiu uma trajetória com muitos trabalhos no teatro e poucos na TV.

Louco no estúdio de TV
"Na televisão, você tem de ser correto -e ser correto é o fim da picada. Meus amigos que passaram a vida lá dentro enferrujaram. Os diretores me adoram, mas me acham estranhíssimo, pensam que posso fazer loucuras no estúdio", observa, antes de se penitenciar, reassumindo o Eiras apolíneo.
"Acho cafona falar mal da TV. Preciso ganhar dinheiro, sou o único da minha geração que não comprou apartamento. Um contrato de longa duração me ajudaria a arrumar minha vida, meus 60 anos."
No teatro, quem lhe deu prumo foram os atores e diretores Rubens Corrêa e Ivan de Albuquerque, donos do teatro Ipanema, nos anos 80. Ali, teve aulas sobre dramaturgos, acompanhou leituras e ensaios, foi se "tornando possível como ator", como gosta de dizer.
Antes de conhecer, no fim da década de 90, Enrique Diaz e seu teatro da desconstrução, cruzou com Brecht ("Mahagonny"), Molière ("George Dandin") e Dostoiévski ("Ensaio Nº 4 - Os Possessos").
O Eiras moleque se insinuou no crescido quando este soltou a voz em musicais como "Nada Além de uma Ilusão" e "A Noviça Rebelde". "A orquestra vibrando aos seus pés é algo dionisíaco. [Em "Noviça'] Me viciei em Lexotan, porque ficava num estado de excitação enorme."
No cinema, a parceria com o diretor Júlio Bressane, autor de ensaios audiovisuais que confiscam linearidade e sentidos estanques, tem sido um refrão. Já fez três fitas dele. "Ele roda um filme para descobrir que filme quer", comenta o ator.
"E cadê "In on It'?", ainda pergunta Eiras, quase no fim da conversa. Ele mesmo responde: "Tudo isso é "In on It': o dentro da coisa, o fora, os dois ao mesmo tempo."
Um homem sofre um acidente depois de descobrir estar doente. Um ator e um ator/dramaturgo tentam achar o tom para contar a história. "É um quadro impressionista. De longe, você acha que vê algo. Ao se aproximar, vê que não é nada daquilo." Como Eiras.



IN ON IT
Quando: pré-estreia hoje (p/ convidados); sex., às 21h30, sáb., às 21h, e dom., às 18h; até 28/3
Onde: teatro Faap (r. Alagoas, 903, Higienópolis, tel. 0/xx/11/3662-7233)
Quanto: de R$ 40 a R$ 50
Classificação: 16 anos




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