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"UMA EDUCAÇÃO À ITALIANA"
Olhar forasteiro do autor inglês residente na Itália analisa identidade da população local
Tim Parks decifra espírito do país onde vive
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Tim Parks, 50, é um inglês,
professor de tradução literária, formado em Cambridge e
Harvard, que há 23 anos, desde
que se casou com uma italiana, vive em Verona, onde está criando
dois filhos.
Para ganhar a vida, leciona numa universidade em Milão, produz para duas das mais sofisticadas revistas do mundo dirigidas a
intelectuais ("The New Yorker" e
"New York Review of Books"),
traduz para sua língua-mãe alguns dos melhores escritores contemporâneos da língua adotada
(Calvino, Moravia, Tabucchi) e
escreve seus próprios livros de ficção e de ensaios.
Entre estes, acaba de sair no
Brasil pela Publifolha "Uma Educação à Italiana", de 1996, com
suas reflexões íntimas sobre o desafio de criar filhos num ambiente
cultural diferente daquele em que
ele próprio havia sido criado.
Se "um dos problemas de morar
em outro país é que sempre existe
uma boa probabilidade de não se
ter entendido direito [qualquer
coisa]", como afirma Parks, imagine o que é educar crianças num
"outro mundo", em que gesto ou
palavra mal compreendida por alguém pode resultar em grave problema.
Num estilo memorialista, com
espírito crítico, mas também muito carinho pela pátria da mulher e
dos filhos, Parks constrói um estudo de antropologia cultural sobre a Itália contemporânea, um
país próspero materialmente
após um período de destruição e
empobrecimento apenas duas gerações atrás, com uma herança
artística secular e invejável e hábitos tradicionais nas relações interpessoais muitas vezes antagônicos com os ditames da globalização da economia.
As contradições entre o anacrônico e o moderno na vida cotidiana na Itália são ainda mais aguçadas no lar de alguém como Parks,
com valores e costumes anglo-saxões arraigados. Ao mesmo tempo, ele sente fascínio e repulsa pelas incoerências dos italianos, que
registra com sarcasmo, ironia e
espírito científico típicos de sua
terra natal.
Os detalhes são tantos e tão explícitos que o leitor pode se perguntar: como Parks pode ter
mantido residência na Itália com
segurança pessoal preservada
após ter exposto ao ridículo e dado nome aos bois tantas pessoas
de suas relações mais próximas,
de parentes a amigos, de colegas
de trabalho a prestadores de serviço. Teria ele inventado histórias? Trocado nomes?
Talvez não. Talvez sua descrição
seja tão acurada que os ridicularizados tenham se sentido orgulhosos de fazer parte da história de
um autor que, pela sua própria
condição étnica, já é visto com admiração (e desprezo) pelos italianos.
Parks tenta demonstrar que nada na Itália é o que parece em termos de convívio social. As regras
são rigidamente impostas para
não serem cumpridas; as pessoas
gastam tudo o que têm (e não
têm) para comprar uma casa com
a justificativa de dar segurança
aos filhos, mas não lhes concedem liberdade, poupam desesperadamente para lhes pagar a universidade, mas lhes impõem que
curso vão estudar.
Para sua mente inglesa, tudo é
incompreensível. "Como tudo isso é curioso e insólito!", espanta-se Parks com os "ricatti" toma-lá-dá-cá, uma-mão-lava-a-outra
que nós brasileiros conhecemos
tão bem: se você aceita um convite para jantar, obriga-se a retribuir, se alguém se oferece a cobrir
uma folga sua é porque já está de
olho numa folga dele que você vai
ser obrigado a cobrir dali a alguns
dias. Tudo tão estranho para
quem pensa apenas na ordem direta e explícita.
E como as crianças são amadas
e mimadas! Nada parecido com o
rígido sistema britânico de educar. Como deve ter sido difícil para os filhos de Parks lidar com pai
e mãe tão díspares. Mas, ao mesmo tempo, como deve ter sido reconfortante e gostoso.
Claro que sempre está presente
o perigo da generalização. Mas,
como o esperto autor avisa logo
no início, "mesmo que se tirem os
traços individuais, os hábitos das
classes sociais, o conflito de gerações e, claro, as variadas manifestações de personalidades diferentes, continua a existir um substrato de identidade nacional". E,
mamma mia!, Tim Parks britanicamente foi capaz de apreender o
dos italianos e descrevê-lo nesse
livro.
Carlos Eduardo Lins da Silva, 51, jornalista, é diretor da Patri Relações Governamentais e Políticas Públicas
Uma Educação à Italiana
Autor: Tim Parks
Tradução: Carlos Mendes Rosa
Editora: Publifolha
Quanto: R$ 44 (426 págs.)
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