São Paulo, sábado, 14 de fevereiro de 2004

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"UMA EDUCAÇÃO À ITALIANA"

Olhar forasteiro do autor inglês residente na Itália analisa identidade da população local

Tim Parks decifra espírito do país onde vive

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Tim Parks, 50, é um inglês, professor de tradução literária, formado em Cambridge e Harvard, que há 23 anos, desde que se casou com uma italiana, vive em Verona, onde está criando dois filhos.
Para ganhar a vida, leciona numa universidade em Milão, produz para duas das mais sofisticadas revistas do mundo dirigidas a intelectuais ("The New Yorker" e "New York Review of Books"), traduz para sua língua-mãe alguns dos melhores escritores contemporâneos da língua adotada (Calvino, Moravia, Tabucchi) e escreve seus próprios livros de ficção e de ensaios.
Entre estes, acaba de sair no Brasil pela Publifolha "Uma Educação à Italiana", de 1996, com suas reflexões íntimas sobre o desafio de criar filhos num ambiente cultural diferente daquele em que ele próprio havia sido criado.
Se "um dos problemas de morar em outro país é que sempre existe uma boa probabilidade de não se ter entendido direito [qualquer coisa]", como afirma Parks, imagine o que é educar crianças num "outro mundo", em que gesto ou palavra mal compreendida por alguém pode resultar em grave problema.
Num estilo memorialista, com espírito crítico, mas também muito carinho pela pátria da mulher e dos filhos, Parks constrói um estudo de antropologia cultural sobre a Itália contemporânea, um país próspero materialmente após um período de destruição e empobrecimento apenas duas gerações atrás, com uma herança artística secular e invejável e hábitos tradicionais nas relações interpessoais muitas vezes antagônicos com os ditames da globalização da economia.
As contradições entre o anacrônico e o moderno na vida cotidiana na Itália são ainda mais aguçadas no lar de alguém como Parks, com valores e costumes anglo-saxões arraigados. Ao mesmo tempo, ele sente fascínio e repulsa pelas incoerências dos italianos, que registra com sarcasmo, ironia e espírito científico típicos de sua terra natal.
Os detalhes são tantos e tão explícitos que o leitor pode se perguntar: como Parks pode ter mantido residência na Itália com segurança pessoal preservada após ter exposto ao ridículo e dado nome aos bois tantas pessoas de suas relações mais próximas, de parentes a amigos, de colegas de trabalho a prestadores de serviço. Teria ele inventado histórias? Trocado nomes?
Talvez não. Talvez sua descrição seja tão acurada que os ridicularizados tenham se sentido orgulhosos de fazer parte da história de um autor que, pela sua própria condição étnica, já é visto com admiração (e desprezo) pelos italianos.
Parks tenta demonstrar que nada na Itália é o que parece em termos de convívio social. As regras são rigidamente impostas para não serem cumpridas; as pessoas gastam tudo o que têm (e não têm) para comprar uma casa com a justificativa de dar segurança aos filhos, mas não lhes concedem liberdade, poupam desesperadamente para lhes pagar a universidade, mas lhes impõem que curso vão estudar.
Para sua mente inglesa, tudo é incompreensível. "Como tudo isso é curioso e insólito!", espanta-se Parks com os "ricatti" toma-lá-dá-cá, uma-mão-lava-a-outra que nós brasileiros conhecemos tão bem: se você aceita um convite para jantar, obriga-se a retribuir, se alguém se oferece a cobrir uma folga sua é porque já está de olho numa folga dele que você vai ser obrigado a cobrir dali a alguns dias. Tudo tão estranho para quem pensa apenas na ordem direta e explícita.
E como as crianças são amadas e mimadas! Nada parecido com o rígido sistema britânico de educar. Como deve ter sido difícil para os filhos de Parks lidar com pai e mãe tão díspares. Mas, ao mesmo tempo, como deve ter sido reconfortante e gostoso.
Claro que sempre está presente o perigo da generalização. Mas, como o esperto autor avisa logo no início, "mesmo que se tirem os traços individuais, os hábitos das classes sociais, o conflito de gerações e, claro, as variadas manifestações de personalidades diferentes, continua a existir um substrato de identidade nacional". E, mamma mia!, Tim Parks britanicamente foi capaz de apreender o dos italianos e descrevê-lo nesse livro.


Carlos Eduardo Lins da Silva, 51, jornalista, é diretor da Patri Relações Governamentais e Políticas Públicas

Uma Educação à Italiana
   
Autor: Tim Parks
Tradução: Carlos Mendes Rosa
Editora: Publifolha
Quanto: R$ 44 (426 págs.)



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