São Paulo, terça-feira, 14 de fevereiro de 2006

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Virilidade de caubóis alimenta debate

DA REPORTAGEM LOCAL

Muita gente viu a cena de "O Segredo de Brokeback Mountain" que o ator Jake Gyllenhaal descreve: "Eu agarro você. Você me joga contra a parede. Eu te jogo contra a parede. Nós nos beijamos". Difícil esquecer, e era essa a idéia.
"Isso foi detalhadamente ensaiado", disse Gyllenhaal a um programa de TV sobre os bastidores das filmagens. Trata-se do reencontro do peão de rodeios Jack Twist (Gyllenhaal) com o caubói Ennis Del Mar (Heath Ledger), quatro anos depois da temporada que os dois passaram juntos, pastoreando ovelhas nas montanhas do Wyoming.
A cena é também exemplo de uma característica inegável de "O Segredo de Brokeback Mountain": os caubóis gays são viris. Esse não é um aspecto menor num fenômeno de público e crítica, como vem se consolidando "O Segredo de Brokeback Mountain".
Ledger e Gyllenhaal estão indicados ao Oscar de melhor ator e ator coadjuvante, respectivamente. O diretor Ang Lee e o próprio filme também disputam a estatueta. A notável carreira do longa nas bilheterias dos Estados Unidos repete-se no Brasil.
O filme atraiu 200 mil espectadores na semana de estréia -número muito bom para o circuito de 86 salas que ocupa.
Quanto mais gente assiste a "O Segredo de Brokeback Mountain", mais o filme se torna assunto de debates acalorados.
Em torno da virilidade dos caubóis que vivem um amor gay, o professor de cinema da USP Rubens Machado aponta duas hipóteses interpretativas, sendo uma de avanço e outra de acomodação no tratamento do homossexualismo pelo cinema americano.
Machado observa que o traço viril dos caubóis "tanto pode significar uma integração do homossexual num mecanismo mais geral da sociedade, como uma acomodação do movimento gay aos padrões conservadores, já que o conservadorismo repele a integração de uma virilidade que seria espúria na América de Bush".
Seja como for, Machado considera em si "explosiva" a abordagem do homossexualismo em "O Segredo de Brokeback Mountain", pela novidade de tratar "no cinema clássico, industrial, para grande mercado" de um tema que normalmente fica restrito aos filmes experimentais, ou seja, às margens do mercado.
Entre críticos e estudiosos do cinema, a filiação do longa de Ang Lee ao gênero faroeste não é ponto pacífico. "Gosto de western antigo, com paisagens, índio, gado. Esse filme é um drama romântico passado numa cidade do Oeste. Não é sequer um western moderno", diz o professor de cinema da PUC-RJ A.C. Gomes de Mattos.
Para o professor Machado, ao contrário, "o modo pelo qual Lee em seu melodrama tristíssimo utiliza a paisagem, a solidão e mesmo os temas da família ou da virilidade leva o filme para o cerne do modelo western".
"O Segredo de Brokeback Mountain" está, na opinião dele, "a meio caminho entre duas vertentes reflexivas do western contemporâneo".
Uma tendência é a da busca de "temas ou estilos inexplorados, como a poesia amorosa e o lirismo", da qual é exemplo "O Pistoleiro Sem Destino" (1971), de Peter Fonda.
"A outra tendência, ao contrário, interessou-se justamente pela rigidez dos padrões solidificados no gênero para atacá-los criticamente, visando uma reflexão não só sobre o gênero western, mas sobre a história americana e a sua permanência na sociedade", diz Machado. Exemplo: "Onde os Homens São Homens" (1971), de Robert Altman. (SA)


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