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TELEVISÃO
Verdadeiro desafeto
dos Mezengas é uma
família de japoneses
MARIANA SCALZO
da Reportagem Local
A união de Bruno (Antônio Fagundes) e Luana (Patrícia Pillar)
vai selar hoje à noite, no último capítulo de ``O Rei do Gado'', o início da amizade dos Berdinazzi e
Mezenga. As
duas famílias italianas foram rivais
durante os 200 capítulos -e três
gerações- da novela de Benedito
Ruy Barbosa, da Globo.
Fora da tela, a história dos Mezenga é um pouco diferente e ainda não teve um acontecimento que
promovesse a reconciliação de famílias, mesmo após três gerações.
Na verdade, a família Mezenga,
da cidade de Vera Cruz (na região
de Marília, a 437 km de São Paulo),
tem desavenças com a família Haraguchi, de imigrantes japoneses.
Como na ficção de Barbosa,
quando Henrique Mezenga (Leonardo Brício) decide casar com
Giovanna Berdinazzi (Letícia Spiller) em 1943, Zoraide Mezenga
também desafiou a família ao se
unir ao nissei Tadashi Haraguchi,
em janeiro de 1953.
``Minha mãe sempre falava que
sua vida daria uma novela'', conta
Lis Aparecida Mezenga Haraguchi
Geyer, 43, filha de Zoraide.
História
Zoraide, filha do italiano Federico Mezenga, conheceu Tadashi
quando seu carro quebrou na estrada. Ele foi ajudá-la e começaram a namorar. Ele se encontravam às escondidas por três anos.
O casal fugiu, abrindo mão da
herança, para se casar em Aparecida do Norte. Um dos padrinhos foi
o jornalista David Nasser, que relatou a história na edição de 14 de
fevereiro de 1953 da revista ``O
Cruzeiro''.
Tadashi e Zoraide tiveram cinco
filhos -Lis, Line, Liane, Linette e
Paulo, o único que não leva o nome Mezenga.
``Minha mãe tinha muito orgulho de suas origens. Meu pai registrou o Paulo escondido sem o sobrenome Mezenga'', conta Lis.
Atualmente, Paulo reivindica o
nome italiano.
Apesar da fuga para assumir o
grande amor, a união nipo-italiana teve problemas.
``Tinha os conflitos culturais,
como os que Bruno e Luana enfrentaram. Ambos tinham orgulho
de suas raças. Na mesa de jantar
havia a comida italiana e a japonesa. Meu pai odiava Carnaval, minha mãe fantasiava todos os filhos.
Em casa, havia um altar budista.
Minha mãe falava alto e gritava da
janela, era uma italiana barulhenta. Foi um choque cultural violento. Acho que não se separaram por
causa dos filhos e pelo amor que os
unia'', lembra Lis.
Rivalidade
A família Berdinazzi também vivia na região, mas não tinha problemas com os Mezenga. No cemitério de Vera Cruz, por coincidência, o jazigo da família Berdinazzi
fica ao lado do da família Mezenga.
``Perguntamos até para uns vizinhos, mas ninguém sabe o que
aconteceu com os Berdinazzi'', explica Lis.
``A briga entre as duas famílias
eu desconheço. Mas sei que as brigas entre meus familiares -Mezenga e Reatto- eram frequentes
naquela época'', diz Linette Mezenga Haraguchi, 35, irmã de Lis.
Federico Mezenga, avô de Lis e
Linette, foi casado com Ana Reatto, com quem teve três filhos: Zoraide, Antônio e Aparecida. Acreditando em uma possível traição
de sua mulher com seu irmão, Mezenga abandonou a família e casou-se com a bóia-fria Maria.
Zoraide foi criada pelos avós paternos, a mãe Ana morreu e Antônio e Aparecida ficaram com os
avós maternos. Só se conheceram
quando eram adultos e a briga entre as duas famílias pela herança,
um pequeno sítio que Zoraide ganhou de um tio, ganhou força.
Herança
A herança que a família dos Mezenga Haraguchi, plantadora de
café, deixou para os filhos foi um
grande trauma.
``Sou o fruto da discórdia. Tinha
de chamar meus avós de tios. Meu
pai não visita os irmãos. O ódio
passa de geração para geração. Foram muitos anos de análise para
superar'', fala Lis, a filha mais velha, que hoje é psiquiatra infantil.
``A gente acha que com o tempo
as coisas mudam, mas não consigo
me envolver. Cresci ouvindo a história. Não me dou bem com minhas primas. Na missa da minha
mãe, por exemplo, minha irmã expulsou a família Haraguchi da
igreja, mesmo sem conhecê-la'',
lembra.
Lis conta que já tentou promover
encontros de família, mas toda vez
a velha história vem à tona e a reconciliação não acontece.
``A família só se vê em enterros.
É triste, tem muita gente perdida
pelo mundo. Demora umas três ou
quatro gerações para dissolver as
neuroses da família. É um prejuízo
para o ser humano amputar sua
origem e sua história.''
Homenagem
Segundo Lis e Linette, Zoraide e
o autor de ``O Rei do Gado'' cresceram juntos na cidade de Vera
Cruz e provavelmente o autor teria
feito uma homenagem à amiga
Nena, apelido de Zoraide e também nome da personagem de Vera
Fischer na primeira fase da trama.
``Na novela `Paraíso' (1982/83),
o Benedito já havia feito uma homenagem a Vera Cruz, usando nome de pessoas da cidade em personagens e lembrando antigas histórias locais, como a de José Eleutério, o filho do Diabo (vivido por
Kadu Moliterno)'', lembra Lis.
Para Linette, ``O Rei do Gado''
relata fatos regionais que ``só
quem vivenciou nesse paraíso caipira poderia passar para a tela uma
bela história: lavoura de café, suas
riquezas e pragas, morte por agrotóxicos, briga entre fazendeiros
pela posse da preciosa terra e da
água, como por exemplo o rio das
Garças, na região de Vera Cruz
-antigo cenário de pescarias.''
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