São Paulo, sexta, 14 de fevereiro de 1997.

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Especialistas `condenam' julgamento

da Reportagem Local

O julgamento de Marcos Mezenga (Fábio Assunção), em ``O Rei do Gado'', irritou especialistas em direito penal.
No julgamento, exibido durante três capítulos na semana passada, Marcos foi acusado pela morte do personagem Ralf (Oscar Magrini).
O promotor pediu sua condenação por homicídio doloso qualificado -por ter enterrado Ralf na areia da praia, provocando sua morte com a alta da maré.
Mas, no final do julgamento, Marcos acabou sendo condenado por vilipêndio a cadáver (ultrajar pessoa morta).
O resultado, segundo especialistas, é impossível na vida real.
``A decisão contraria a legislação processual brasileira'', protesta o processualista Julio Fabbrini Mirabete, 61, autor de sete livros sobre direito e processo penais.
Segundo Mirabete, é ``legalmente impossível'' alguém ser julgado por homicídio doloso (com intenção de matar) e acabar condenado só por vilipêndio a cadáver.
``Se o promotor só o acusou de homicídio doloso, ele só poderia ser julgado por esse crime. Essa seria a única acusação possível. Até mesmo porque ele (Marcos), nesse caso, teria enterrado alguém vivo e não pode haver vilipêndio a pessoa viva'', diz Mirabete.
O primeiro de uma série de erros, apontam especialistas, foi o advogado de defesa pedir a condenação do próprio cliente, Marcos, pelo crime de vilipêndio a cadáver.
``Nunca vi a defesa pedir a condenação de alguém'', conta Sergio Salomão Shecaira, 36, presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. ``A defesa estaria trabalhando contra o réu. É meio absurdo. Sou promotora há 12 anos e nunca vi uma decisão dessas'', confirma Eloísa Damasceno, 35, do 5º Tribunal de Júri da Capital.
Segundo Mirabete, o correto seria o advogado de Marcos pedir a desclassificação do crime de homicídio doloso para o de homicídio culposo (quando não há intenção). O resultado, em caso de condenação, seria quase o mesmo do de vilipêndio: a pena seria de um a três anos de detenção, com direito a sursis (liberdade). ``Seria muito mais coerente.''
Os erros, segundo Mirabete, continuam quando são apresentados os quesitos (perguntas feitas aos jurados).
Na novela, o júri respondeu sim ao primeiro quesito -Marcos enterrou Ralf na areia?- e não ao segundo -Marcos provocou a morte da vítima?-, absolvendo, assim, o personagem.
Mirabete não concorda com a existência do terceiro quesito -Marcos praticou vilipêndio a cadáver?-, ao qual o júri respondeu sim. Segundo o processualista, deveria haver um segundo julgamento só para o crime de vilipêndio a cadáver.
``Esses erros em novela só deseducam'', lamenta Mirabete.
O autor de ``O Rei do Gado'', Benedito Ruy Barbosa, não foi encontrado até as 13h de ontem para comentar as críticas à novela.
(DANIEL CASTRO)

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