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Cony aceita sua travessia
Escritor reluta, mas
aprova reedição de seu
romance "Pessach, a
Travessia", publicado
em 67; em entrevista,
fala de seu novo livro
jornalista
FERNANDO DE BARROS E SILVA
especial para a Folha
O escritor e jornalista Carlos
Heitor Cony, 71 anos completados
hoje, prepara um novo romance, o
13º de sua carreira. Seu título provisório, ou ``quase certo'', segundo as palavras do autor, será "A
Casa do Poeta Trágico''. O lançamento está previsto para outubro,
pela Companhia das Letras.
Mas os leitores de Cony não precisam esperar até lá. Na semana
que vem, chega às livrarias, pela
mesma Companhia das Letras,
``Pessach: a Travessia'', romance
que Cony publicou em 67, pela Civilização Brasileira.
Sobre o novo romance, Cony,
membro do Conselho Editorial da
Folha, onde tem uma coluna diária na página 1-2 e outra semanal
na "Ilustrada", fala com certa reserva, quase cerimoniosamente.
Conhecido pela rapidez com que
escreve (é capaz de fazer as colunas
sobre política em 5 minutos), diz
que nunca um livro lhe foi tão difícil. "Já tenho mais de cem páginas
escritas, mas estou patinando, não
consigo avançar'', disse em entrevista por telefone, anteontem.
"A Casa do Poeta Trágico'' tem
como personagem central um homem de 70 anos. "Ele se relaciona
com uma moça bem mais jovem,
se separa dela e depois de algum
tempo ela se casa outra vez. Sabendo que ele está à morte, resolve visitá-lo pela última vez. O livro começa por esse reencontro difícil. É
um livro amargo, muito amargo,
não tem nada a ver com meus trabalhos mais recentes.''
Depois de ficar 21 anos sem escrever ficção, dedicando-se exclusivamente ao jornalismo e a funções executivas na Rede Manchete,
Cony voltou à literatura pela porta
dos fundos. ``Quase-Memória'',
de 95, um acerto de contas com seu
pai, Ernesto Cony Filho, não era
bem literatura, mas um misto de
crônica, reportagem e romance.
O livro reabriu o apetite literário
de Cony. No ano passado ele voltou à carga publicando ``O Piano e
a Orquestra''. O próximo romance
será ``bem mais trágico'', diz ele.
Olhando para trás, Cony o compara a "Antes, o Verão'', seu terceiro romance, de 64. Ali, narra-se
a vida de um casal de classe média
que vai se envenenando até a ruína, junto com a deterioração da
sua casa de praia, símbolo do sonho de felicidade de ambos.
Romance político
Ao contrário do próximo livro,
``Pessach: a Travessia'' é um romance francamente político. ``Relutei em aceitar a reedição, temia
que o livro estivesse datado, relendo-o acho que pára em pé'', diz.
Pessach, a expressão, corresponde à Páscoa dos judeus. Primeira
das grandes festas citadas na "Bíblia", refere-se à fuga dos judeus
do Egito Antigo, onde eram mantidos como escravos. A metáfora
da libertação ganhou contexto específico no romance de Cony. A
obra narra o engajamento involuntário de um escritor bem-sucedido e avesso à política na luta armada contra o regime militar.
``Pessach'' tem duas partes. A
primeira, com um forte acento
existencialista, chega a lembrar
``O Estrangeiro'', de Camus. O livro começa assim: ``Faço hoje 40
anos. A data não me irrita, nem me
surpreende. Isso não quer dizer
que eu esteja preparado para ela.
(...) Não tenho amigos nem dívidas
-duas coisas que incomodam''.
Na segunda parte, desaparecem
os dramas do intelectual-personagem, Paulo Simões, que atravessa
a primeira metade do romance ruminando "a noite tenebrosa da alma'', como escreveu Paulo Francis
na orelha. O livro ganha então aspecto de um thriller, ares cinematográficos, mas encolhe em alcance intelectual. Foi essa segunda
parte que rendeu dor de cabeça ao
autor. Cony foi acusado de ter detratado o Partido Comunista.
Isso explica por que a segunda tiragem de ``Pessach'', lançada logo
após o sucesso instantâneo da primeira, de 10 mil exemplares, não
chegou às livrarias. Intelectuais do
PC com acesso direto ao dono da
Civilização Brasileira, Ênio Silveira, também ele ligado ao Partidão,
colocaram ``Pessach'' no índex.
Consideraram o livro uma ``traição'' e montaram contra ele uma
espécie de ``boicote branco''.
``Pessach'' mofou no estoque da
editora. Uma terceira edição chegou a ser lançada em 1975. Mas o
destino do livro já estava selado.
E com ele a imagem de Cony:
além de crítico de primeira hora do
regime militar, tarefa a que se dedicou em sua coluna no ``Correio
da Manhã'', ele também foi considerado um traidor da ``causa da
esquerda''. Mal com os gregos,
pior com os troianos. Pensando
bem, diz hoje, isso não é tão ruim.
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