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Fiscais confundem arte com barraca de camelô
ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL
Era arte, mas os fiscais da prefeitura julgaram se tratar de algo
fora-da-lei. Confundiram intervenção artística com artimanhas
de camelôs. E apreenderam tudo.
Tudo, aqui, significa uma casinha de 9 m2 -a fachada de fibra
de vidro, o teto de lona, as paredes
de madeira. Foi erguida num tradicional camelódromo paulistano, o do largo da Concórdia. E
compunha um projeto que o Ateliê van Lieshout (AVL), da Holanda, fez para o artecidadezonaleste.
A proposta integra técnicas de
construção européias com a arquitetura informal das favelas
brasileiras. Em Roterdã, o AVL
produziu cinco diferentes fachadas cor-de-laranja. Trouxe-as para cá e, desde o fim de fevereiro,
está colocando-as de pé.
A idéia é que dêem origem a casinhas na região central de São
Paulo -mais especificamente, no
largo da Concórdia, largo do Glicério, Pari e Brás. Os holandeses
cedem a fachada e moradores de
comunidades pobres constróem
o resto, com know-how próprio.
Como irão divulgar informações sobre o Arte/Cidade, as casinhas ganharam o nome de "infoboxes". O do largo da Concórdia
ficou pronto na semana passada,
mas mantinha-se fechado, aguardando a abertura da mostra.
Segunda-feira à noite, enquanto
promoviam uma fiscalização de
rotina no camelódromo, funcionários da Regional da Sé avistaram a casinha. Desconheciam o
projeto e, àquela hora, não havia
ninguém do Arte/Cidade por perto.
Os fiscais verificaram se o infobox exibia, afixada em uma das
paredes, a autorização da prefeitura para estar lá. Não exibia
-apesar de a permissão existir.
Anteontem pela manhã, o "rapa" voltou à área e encontrou o
mesmo quadro: uma casa de cor
berrante, vazia e sem papel que
justificasse sua presença em zona
tão tumultuada. Não titubeou.
Arrancou o infobox dali. Quando
a fotógrafa Cibele Lucena, do Arte/Cidade, chegou para fazer uns
arremates na casinha, viu-a já sobre o caminhão da regional. "Estava toda desmilinguida."
"Fiquei impressionada com a
truculência e a rapidez da ação",
diz a arquiteta Andréia Moassab,
assistente de curadoria da mostra.
"Os fiscais nem tentaram descobrir o que era aquilo. Simplesmente destruíram. Houve um erro de comunicação incrível dentro da prefeitura, já que cumprimos cada um dos trâmites burocráticos necessários para viabilizar a iniciativa."
A administradora regional da
Sé, Clara Ant, reitera que o Arte/
Cidade dispunha, sim, de permissão. "Ocorreu um incidente. Ou
um acidente de percurso, se você
preferir." Ela afirma que a regional apóia a mostra. "Não temos
nada contra o evento. Só que não
posso repreender os fiscais. Os
funcionários não sabiam do projeto. Procuraram a autorização e
não acharam. Recolheram a casa,
como recolheriam qualquer coisa
irregular."
Desatado o nó, a prefeitura devolveu ontem o infobox, que será
remontado. "Vivenciamos uma
lição de arte e de cidade", resume
Clara. "Fiscais existem para distinguir o permitido do proibido, e
não para reconhecer o que é arte."
O curador da mostra, Nelson
Brissac, pensa diferente. "A regional sabe bem o que é arte e nos incentiva. Mas os fiscais agem de
modo autoritário. Batem e depois
perguntam."
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