São Paulo, quinta-feira, 14 de março de 2002

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Fiscais confundem arte com barraca de camelô

ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL

Era arte, mas os fiscais da prefeitura julgaram se tratar de algo fora-da-lei. Confundiram intervenção artística com artimanhas de camelôs. E apreenderam tudo.
Tudo, aqui, significa uma casinha de 9 m2 -a fachada de fibra de vidro, o teto de lona, as paredes de madeira. Foi erguida num tradicional camelódromo paulistano, o do largo da Concórdia. E compunha um projeto que o Ateliê van Lieshout (AVL), da Holanda, fez para o artecidadezonaleste.
A proposta integra técnicas de construção européias com a arquitetura informal das favelas brasileiras. Em Roterdã, o AVL produziu cinco diferentes fachadas cor-de-laranja. Trouxe-as para cá e, desde o fim de fevereiro, está colocando-as de pé.
A idéia é que dêem origem a casinhas na região central de São Paulo -mais especificamente, no largo da Concórdia, largo do Glicério, Pari e Brás. Os holandeses cedem a fachada e moradores de comunidades pobres constróem o resto, com know-how próprio.
Como irão divulgar informações sobre o Arte/Cidade, as casinhas ganharam o nome de "infoboxes". O do largo da Concórdia ficou pronto na semana passada, mas mantinha-se fechado, aguardando a abertura da mostra.
Segunda-feira à noite, enquanto promoviam uma fiscalização de rotina no camelódromo, funcionários da Regional da Sé avistaram a casinha. Desconheciam o projeto e, àquela hora, não havia ninguém do Arte/Cidade por perto.
Os fiscais verificaram se o infobox exibia, afixada em uma das paredes, a autorização da prefeitura para estar lá. Não exibia -apesar de a permissão existir.
Anteontem pela manhã, o "rapa" voltou à área e encontrou o mesmo quadro: uma casa de cor berrante, vazia e sem papel que justificasse sua presença em zona tão tumultuada. Não titubeou. Arrancou o infobox dali. Quando a fotógrafa Cibele Lucena, do Arte/Cidade, chegou para fazer uns arremates na casinha, viu-a já sobre o caminhão da regional. "Estava toda desmilinguida."
"Fiquei impressionada com a truculência e a rapidez da ação", diz a arquiteta Andréia Moassab, assistente de curadoria da mostra. "Os fiscais nem tentaram descobrir o que era aquilo. Simplesmente destruíram. Houve um erro de comunicação incrível dentro da prefeitura, já que cumprimos cada um dos trâmites burocráticos necessários para viabilizar a iniciativa."
A administradora regional da Sé, Clara Ant, reitera que o Arte/ Cidade dispunha, sim, de permissão. "Ocorreu um incidente. Ou um acidente de percurso, se você preferir." Ela afirma que a regional apóia a mostra. "Não temos nada contra o evento. Só que não posso repreender os fiscais. Os funcionários não sabiam do projeto. Procuraram a autorização e não acharam. Recolheram a casa, como recolheriam qualquer coisa irregular."
Desatado o nó, a prefeitura devolveu ontem o infobox, que será remontado. "Vivenciamos uma lição de arte e de cidade", resume Clara. "Fiscais existem para distinguir o permitido do proibido, e não para reconhecer o que é arte."
O curador da mostra, Nelson Brissac, pensa diferente. "A regional sabe bem o que é arte e nos incentiva. Mas os fiscais agem de modo autoritário. Batem e depois perguntam."


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