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"UM BONDE CHAMADO DESEJO"
Cia. Livre realiza a vontade de uma geração
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
"Um Bonde Chamado Desejo" é um clássico, ou seja, boa parte da platéia vai ao teatro já conhecendo a história -a
decadência de Blanche Dubois,
que se refugia na casa da irmã Stella para fugir do passado e sucumbir ao presente vulgar de seu cunhado Stanley- e com sua versão favorita na cabeça (a de Marlon Brando ou a de Maria Fernanda, por exemplo) para checar se a
presente direção é submissa ou
ousada demais, ou se os atores
"entenderam" seus papéis. Se for
insuficiente, é logo esquecida,
sem prejuízo ao texto. Se for bem-sucedida, marca uma geração.
Esse é o caso da montagem da
Cia. Livre. Baseada em um rigoroso trabalho de análise, a direção
de Cibele Forjaz, que também tem
formação de atriz e iluminadora,
concretiza uma inteligente leitura
do texto, integrando os níveis do
espetáculo a ponto de ser difícil
adivinhar se determinado achado
partiu da cenógrafa Simone Mina,
da iluminadora Alessandra Domingues, da trilha de Cacá Machado ou de laboratórios dos atores: é como um todo que a Cia Livre é excelente.
A maneira como as personagens se observam, adivinhando
blefes, forçando confissões, faz
com que o jogo de pôquer que alinhava a história vá além da mera
cor local e se torne metáfora. As
quatro paredes invisíveis que estabelecem o naturalismo da interpretação, simples fitas elásticas
delimitando uma gaiola cercada
pelo público, são deformadas no
decorrer da peça para se tornarem uma expressionista teia de
aranha, quando Blanche renuncia
à afetação aristocrática e se declara "uma tarântula". Um som de tiro, pedido pelo texto como um
trauma do passado, é substituído
por um estouro de lâmpada, e todo o jogo metalinguístico da penumbra mágica contra a crueza
da luz ganha outra dimensão.
Sem chamar atenção, Nova Orleans vem para o Brasil às vezes,
com sambas na trilha, camisas de
futebol no figurino, a fluida tradução de Vadim Nikitin e a espontaneidade da figuração. Dora Carvalho e Eudes Figueiredo compensam a limitação técnica remetendo saborosamente a tipos populares. Peterson Negreiros, é
verdade, não se arrisca muito na
sua ponta como entregador, e
João Signorelli se deixa aprisionar
pelo bom-mocismo de Harold
Mitchell, o inocente útil com
quem Blanche quase se casa; mas
o jogo estabelecido pelo trio de
protagonistas faz com que esse
bonde seja imperdível.
Milhem Cortaz faz um Stanley
Kowalski viril e frágil, sensual e
infantil, infame e irreverente. Isabel Teixeira deixa clara não só a
função de amparo de Stella (tanto
com sua irmã quanto com seu
marido) como também a sua própria sensualidade.
Instigada por Milhem e apoiada
por Isabel, a atuação de Leona Cavalli é inesquecível. Ponto de convergência da generosidade criativa da Cia. Livre, Leona tece uma
rede sobre a angústia de seu desejo com agilidade verbal e sensualidade de gestos. Faz de sua Blanche uma Fedra -a personagem
de Racine que, segundo Proust,
permitia determinar uma geração
pela atriz que se tinha visto representá-la. Para a nova geração, a
partir de agora, o desejo se chama
Leona Cavalli.
Um Bonde Chamado Desejo
Texto: Tennessee Williams
Direção: Cibele Forjaz
Com: Leona Cavalli, Milhem Cortaz,
Peterson Negreiros, Eudes Figueiredo,
Dora Carvalho, Vanessa Poitena
Onde: Sesc Belenzinho (av. Álvaro
Ramos, 991, SP, tel. 0/xx/11/6605-8143)
Quando: de sex. a dom., às 20h; até 28/4
Quanto: R$ 12
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