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19ª BIENAL DO LIVRO
Reportagem percorre evento e acha "revolucionário", matemático e filósofo de bar
Bienal tem personagens "de livro"
PAULO SAMPAIO
DA REVISTA DA FOLHA
É sábado, 11, e a 19ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo está fervilhando: público, títulos e
também histórias de gente que
quer virar livro. Aspirante a personagem, o boliviano Reginaldo
Arze, 65, comanda um curioso estande na rua A.
Ele se apresenta como cardiologista, gosta de ser reconhecido como jornalista revolucionário e explica a poucos interessados que
foi o responsável pela revelação
de que Che Guevara morreu assassinado e não em combate.
"Percebi depois que fizeram a
autópsia que Che não tinha rigidez cadavérica; ele ainda estava
quente, e denunciei a marca de
um tiro próximo do abdômen.
Foi um furo brutal de reportagem, que ocasionou a minha fuga
imediata do país", conta.
A Bienal vai até o dia 19, no Pavilhão de Exposições do Anhembi.
O estande de Arze vende biografias, revistas e souvenirs de
Guevara, e é decorado com uma
foto em preto-e-branco, mega-vintage, do guerrilheiro já morto,
observado por quatro homens,
entre eles o próprio boliviano
(destacado por um círculo em
volta da cabeça), apontando a
marca do tiro.
Arze diz que fez a pose com o
dedo indicador, na hora da foto,
propositalmente, para que não
houvesse dúvidas de que era o autor da revelação.
Como pode o senhor não ter entrado para a história, doutor?
"Essa pergunta é interessante",
diz ele, sorrindo e inclinando ligeiramente a cabeça para trás. "O
que houve foi que a repressão perseguiu o médico errado, em uma
cidade chamada Vallegrande; eu
tinha fugido para Comarapa."
Auto-ajuda quem?
São 200 mil visitantes estimados
só no fim de semana, 320 expositores, 10 mil títulos diferentes,
3.000 lançamentos.
Entre as obras mais procuradas
estão as de auto-ajuda, denominação que parece mais destinada
aos autores do gênero que a seus
leitores. No "salão de idéias", Roberto Shinyashiki fala a uma platéia de cerca de 400 pessoas sobre
o relançamento de seu best-seller
"Será que Amar ainda Pode Dar
Certo?", que em 18 anos vendeu
1,5 milhão de cópias.
Na primeira fileira, a maioria é
de mulheres. Elas sorriem à toa,
assentindo com a cabeça para o
palavrório sem rumo, pontos ou
virgulas, de Shinyashiki.
"(...) tenho visto muitas pessoas
(ele balança afirmativamente a
cabeça, com os olhos muito abertos) e aí de novo falo com as mulheres (aponta indefinidamente
para a platéia) que jogam suas carências em cima de um parceiro
(arqueia as sobrancelhas) carência de pai; aí elas encontram um
pobre coitado no qual jogam todas essas carências (imita com os
braços uma caçamba de caminhão virando); ele vai morrer sem
oxigênio (risos); os homens estão
interessados SIM (ele grita) em
amar (pausa longa); se os homens
me procuram e dizem, "Roberto,
qual o segredo de um amor legal
(lábios comprimidos, indicando
situação delicada)?", eu respondo
(de chofre): é o tudo ou o nada."
Há poucos metros dali, uma assessora de imprensa surge na
frente da reportagem e diz. "Estou
divulgando a Bíblia traduzida para o caingangue."
Ahã.
"É a segunda maior comunidade indígena do Brasil, com 30 mil
habitantes. A primeira é a guarani", informa.
Não sei se interessa...
Nesse momento, repórter e fotógrafo são atraídos pelos gritos
de um sujeito que expõe fórmulas
matemáticas em uma lousa.
"Tirem Pitágoras da cabeça!",
diz o engenheiro Márcio Barbosa,
43, que propõe uma revolução
nos cálculos matemáticos. Mais
conhecido por dar aulas nas praças da Sé e da República, ele está
ali para atrair público para o estande de uma editora. A um pequeno grupo, ele ensina uma maneira nova de calcular, por exemplo, a raiz quadrada de 901:
"Elimine o penúltimo algarismo
(0) e calcule a raiz dos das pontas
(9 e 1). Resultado, 3 e 1. Juntos?
31", diz, com ares de mágico, enquanto aciona a máquina de calcular para demonstrar à platéia
que o resultado é aquele mesmo.
Gente famosa
As celebridades pululam nos
corredores da Bienal. O alagoano
Parral, que já esteve "no Jô e também umas 15 vezes na Luciana Gimenez", assiste pelo telão a mais
uma palestra lotada no "salão de
idéias". Parral diz ter vendido
pessoalmente 12 mil livros em
mesas de bares da Vila Madalena.
Escreve sobre o quê?
"Filosofia é minha principal referência. Descobri Nietzsche no lixo, quando morava debaixo da
ponte da Pompéia."
Jogaram Nietzsche embaixo da
ponte?
"Quer dizer, ele eu li na casa de
um amigo. Debaixo da ponte foi o
Sidney Sheldon."
Na reta final da exposição, a
equipe dá uma passada no estande de esoterismo, na esperança de
um descarrego. Em vez disso, leva
um pito do professor de ioga Rui
Afonso, 27, cabelos enrolados,
calça de agasalho, camiseta e mochila: "Não sou bicho-grilo".
Afonso faz pós-graduação em
psicobiologia na Unifesp, diz que
pretende unir tradição e ciência e
que meditação, massagem e aromaterapia não têm nada a ver
com o ele chama de "enrolação".
Sua "grande questão" é: "Por que
a tradição está na mesma prateleira que o esoterismo?"
Por quê?
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