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Crítica/"Maria Antonieta"
Livre de clichês e didatismo inútil, produção não merece a guilhotina
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Talvez vivamos um momento de exacerbação
antiintelectual, ao menos no cinema. Durante uma
sessão de imprensa de "Maria
Antonieta", por exemplo, era
possível escutar bocejos e suspiros desconsolados diante
desse filme em que nada de
emocionante acontecia.
Nada acontecia, ou, dizendo
melhor: não havia perseguições
ou correrias, heróis ou vilões
facilmente identificáveis. A futura rainha da França não é tratada puerilmente como uma
imbecil, nem como uma pobre
vítima. Sofia Coppola trata Maria Antonieta como uma pessoa, não uma personagem da
clicheria cinematográfica que
freqüentamos quase todo dia
-sobretudo a dos independentes. Sim, porque não há cinema
mais submisso às convenções
do que o indie americano.
Sofia Coppola desponta hoje
como uma autora de verdade, o
que é quase uma anomalia. Não
é autora do tipo que coloca a expressão "um filme de" antes de
qualquer impessoalidade que
se faça. Suas preocupações parecem constantes. Assim, sua
Maria Antonieta é, no início,
uma mulher dominada, controlada por outros, parecida com
as irmãs de "As Virgens Suicidas", filme que a revelou. Na
condição de princesa austríaca,
é prometida, ainda adolescente, ao delfim da França, Luís
Augusto, futuro Luís 16, a fim
de aproximar os dois países.
Um destino nada extraordinário para a nobreza do fim do
século 18, quando se passa o filme. Mas assim era, e Sofia Coppola o nota: a alienação essencial da mulher a preocupa.
Em seguida, Maria Antonieta
cruza a fronteira e se torna submissa, primeiro, à complexa
etiqueta da corte; depois, aos
(não) desejos de um marido
mais atraído pelas caçadas do
que por ela. É então a mulher
no estrangeiro, como a de "Encontros e Desencontros", às
voltas com signos indecifráveis.
O movimento seguinte nos
traz uma jovem que se familiariza com os costumes da corte e
coleciona sapatos e vestidos.
Não terá respondido com a frase famosa ("Se não têm pão, comam brioche") ao povo que se
rebelava, mas pouco importa:
sua frivolidade é digna dela.
Nem por isso Sofia inicia o
processo da rainha. Assim é a
corte. O interesse do filme desloca-se da rainha para Luís 16,
que, afinal, é o senhor de seu
destino. E Luís é um rei-desastre. Se Luís 14, outro jovem monarca que chegou ao poder cercado de desconfiança, submeteu a nobreza pelo espetáculo
da corte, Luís 16 apenas repete,
como um diretor de cinema
acadêmico, os rituais de poder:
segue a ritualística, mas é vazio.
E, desse vazio, será vítima.
"Maria Antonieta" é um filme que recusa emoções baratas
e o didatismo inútil. Retoma as
preocupações que Sofia já demonstrara a respeito da alienação da mulher, sem fazer demagogia com o pescoço da trágica
rainha. Embora Kirsten Dunst
não seja uma atriz profunda o
bastante para representar esse
papel tão terrivelmente superficial, "Maria Antonieta" está
longe de merecer a guilhotina a
que, tão depressa, a indústria
do espetáculo quis condená-lo.
MARIA ANTONIETA
Direção: Sofia Coppola
Com: Kirsten Dunst, Jason Schwartzman, Marianne Faithfull, Steve Coogan
Quando: estréia nesta sexta
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