São Paulo, quarta-feira, 14 de março de 2007

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Crítica/"Maria Antonieta"

Livre de clichês e didatismo inútil, produção não merece a guilhotina

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Talvez vivamos um momento de exacerbação antiintelectual, ao menos no cinema. Durante uma sessão de imprensa de "Maria Antonieta", por exemplo, era possível escutar bocejos e suspiros desconsolados diante desse filme em que nada de emocionante acontecia.
Nada acontecia, ou, dizendo melhor: não havia perseguições ou correrias, heróis ou vilões facilmente identificáveis. A futura rainha da França não é tratada puerilmente como uma imbecil, nem como uma pobre vítima. Sofia Coppola trata Maria Antonieta como uma pessoa, não uma personagem da clicheria cinematográfica que freqüentamos quase todo dia -sobretudo a dos independentes. Sim, porque não há cinema mais submisso às convenções do que o indie americano.
Sofia Coppola desponta hoje como uma autora de verdade, o que é quase uma anomalia. Não é autora do tipo que coloca a expressão "um filme de" antes de qualquer impessoalidade que se faça. Suas preocupações parecem constantes. Assim, sua Maria Antonieta é, no início, uma mulher dominada, controlada por outros, parecida com as irmãs de "As Virgens Suicidas", filme que a revelou. Na condição de princesa austríaca, é prometida, ainda adolescente, ao delfim da França, Luís Augusto, futuro Luís 16, a fim de aproximar os dois países.
Um destino nada extraordinário para a nobreza do fim do século 18, quando se passa o filme. Mas assim era, e Sofia Coppola o nota: a alienação essencial da mulher a preocupa.
Em seguida, Maria Antonieta cruza a fronteira e se torna submissa, primeiro, à complexa etiqueta da corte; depois, aos (não) desejos de um marido mais atraído pelas caçadas do que por ela. É então a mulher no estrangeiro, como a de "Encontros e Desencontros", às voltas com signos indecifráveis.
O movimento seguinte nos traz uma jovem que se familiariza com os costumes da corte e coleciona sapatos e vestidos. Não terá respondido com a frase famosa ("Se não têm pão, comam brioche") ao povo que se rebelava, mas pouco importa: sua frivolidade é digna dela.
Nem por isso Sofia inicia o processo da rainha. Assim é a corte. O interesse do filme desloca-se da rainha para Luís 16, que, afinal, é o senhor de seu destino. E Luís é um rei-desastre. Se Luís 14, outro jovem monarca que chegou ao poder cercado de desconfiança, submeteu a nobreza pelo espetáculo da corte, Luís 16 apenas repete, como um diretor de cinema acadêmico, os rituais de poder: segue a ritualística, mas é vazio.
E, desse vazio, será vítima. "Maria Antonieta" é um filme que recusa emoções baratas e o didatismo inútil. Retoma as preocupações que Sofia já demonstrara a respeito da alienação da mulher, sem fazer demagogia com o pescoço da trágica rainha. Embora Kirsten Dunst não seja uma atriz profunda o bastante para representar esse papel tão terrivelmente superficial, "Maria Antonieta" está longe de merecer a guilhotina a que, tão depressa, a indústria do espetáculo quis condená-lo.


MARIA ANTONIETA     
Direção: Sofia Coppola
Com: Kirsten Dunst, Jason Schwartzman, Marianne Faithfull, Steve Coogan
Quando: estréia nesta sexta


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