São Paulo, sábado, 14 de março de 1998

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LIVROS - LANÇAMENTOS
Zimler faz romance histórico português

ADELTO GONÇALVES
especial para a Folha

Um livro que fala de cabala, esoterismo e assuntos afins tem tudo para virar sucesso no Brasil de hoje. Mas o leitor que for atrás de algo similar às produções de baixo nível que pululam entre os best sellers brasileiros pode quebrar a cara: "O Último Cabalista de Lisboa", do norte-americano Richard Zimler, é muito bem escrito e está a anos-luz desse tipo de literatura barata. Mais: com Zimler, o intelectual sério pode voltar a ler sobre temas esotéricos, sem ser excomungado por seus pares.
Zimler, 41, é um judeu de Nova York, que desde 1990 vive em Portugal. É jornalista, professor da Escola Superior de Jornalismo do Porto e uma revelação como romancista. Bacharel em religiões comparadas e música pela Universidade de Duke e mestre em jornalismo pela Universidade de Stanford, Zimler já escreveu mais dois romances: "Unholy Ghosts", que saiu no ano passado nos EUA e no Reino Unido, e "The Angelic Darkness", que sairá em Portugal em abril, provavelmente com o título "Trevas Iluminadas" ou "Trevas da Luz". Leia abaixo os principais trechos da entrevista que Zimler concedeu à Folha.

Folha - O que o levou a escrever "O Último Cabalista de Lisboa"?
Richard Zimler -
Foi um acidente. Em 1989, estava passando férias na casa de minha mãe nos arredores de Nova York, quando, sentado na sala, deparei-me, entre os livros de arte dela, com uma obra chamada "Um Sinal e uma Testemunha - 2.000 Anos de Livros Hebraicos e Manuscritos Iluminados". Como não sabia rigorosamente nada sobre a tradição das iluminuras entre judeus, peguei o livro. Fiquei deslumbrado com as cores resplandecentes, as folhas de iluminuras judaicas em Lisboa antes da Inquisição, até o ano da grande conversão, 1497.
Fiquei surpreso porque já havia estado em Portugal várias vezes e, embora todos os meus amigos soubessem que eu era judeu e escritor, ninguém me tinha falado dessa herança cultural. Surgiu-me logo a idéia de um especialista em iluminuras lisboetas como figura central de um romance.
Folha - A partir daí, você teve de se preparar muito para escrever o romance?
Zimler -
Ficou claríssimo que eu ia ter de ler muitos textos sobre esse período para escrever um romance verossímil e convincente. Ao fazer a pesquisa em Berkeley, na Califórnia, onde vivia nessa altura, deparei-me com outro livro que me influenciou muito -"O Massacre de Lisboa em 1506 e o Cetro de Judá", do grande historiador Yosef Hayim Yerushalmi.
Nesse livro, descobri que houve um pogrom (movimento popular de violência contra judeus) em Lisboa, em 1506, quando 2.000 cristãos novos foram mortos e queimados no Rossio.
Como era um episódio quase perdido na História, acho que fui captado pela idéia de escrever um romance em que o pogrom fosse elemento essencial. Pensei que acrescentaria drama e emoção, mas achei também que me ofereceria a oportunidade de abordar assuntos profundos sobre os quais os romancistas se sentem impelidos a escrever -neste caso, o amor, a morte, a crueldade e o significado de uma vida individual.
Além disso, naquele mesmo livro, descobri que, durante o pogrom, pessoas também foram mortas por vizinhos ou colegas que aproveitaram o tumulto para ajustar contas. Interroguei-me: e se um membro da minha família de iluminadores judeus fosse morto, mas não por cristãos? Daí nasceu o mistério central do romance.
Folha - O que acha da comparação de seu livro com "O Nome da Rosa", de Umberto Eco, já que ambos propõem uma intriga policial numa atmosfera medieval?
Zimler -
Acho que a comparação é mais uma questão de marketing dos editores. Para mim, quase não há semelhanças, além de serem ambos romances históricos. Evitei escrever um pastiche que imitasse a linguagem de época, porque acho essas imitações artificiais e pouco convincentes. Umberto Eco aproveitou a personalidade de Sherlock Holmes e a transpôs para a Itália medieval. Por isso, a meu ver, o seu personagem central é pouco original e um tanto esgotado. Esse tipo de personagem acaba por afastar o leitor, porque as referências óbvias a Sherlock Holmes criam logo uma sensação de artifício e encenação.
Folha - O que o levou a trocar os EUA por Portugal?
Zimler -
Creio que a minha mudança para Portugal tem muito a ver com a morte de um dos meus irmãos mais velhos, em maio de 1989. De certa forma, escapei da atmosfera de morte que havia nos EUA e na minha família, ao "fugir" para Portugal. O Porto foi uma opção natural porque conhecia pessoas aqui e havia a possibilidade de trabalhar como professor na Escola Superior de Jornalismo.
Folha - Certa vez, você comparou os EUA de hoje à Alemanha às vésperas da barbárie hitlerista. Gostaria que comentasse o assunto.
Zimler -
Embora a comparação com a Alemanha dos anos 30 seja um exagero, estou bastante preocupado com a deslocação dos EUA para a direita. Hoje em dia, praticamente não há liberais dentro do Partido Democrata: são todos "centristas" que acham, por exemplo, que o mercado livre sempre tem razão, que sindicatos são negativos para qualquer sociedade e que deveríamos tolerar homossexuais, mas não lhes dar todos os direitos dos outros cidadãos. Há alguns elementos dentro do Partido Republicano que têm idéias e opiniões nitidamente fascistas -embora não se utilize essa palavra nos EUA para descrevê-las.
Folha - Voltando ao "O Último Cabalista de Lisboa": que expectativa você tem em relação ao seu livro no Brasil?
Zimler - Espero que os leitores brasileiros gostem do livro e encontrem algo de valor na minha escrita. Em meu terceiro romance, hã um personagem que passou muito tempo no Brasil. Para escrevê-lo, tive de ler um bocado sobre o período da ditadura. Li "Brasil: Tortura Nunca Mais" e o que me foi revelado nesse livro é absolutamente chocante.


Adelto Gonçalves, 46, jornalista e escritor, é doutor em letras na área de literatura portuguesa pela Universidade de São Paulo.



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