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LIVROS - LANÇAMENTOS
Zimler faz romance
histórico português
ADELTO GONÇALVES
especial para a Folha
Um livro que fala de cabala, esoterismo e assuntos afins tem tudo
para virar sucesso no Brasil de hoje. Mas o leitor que for atrás de algo similar às produções de baixo
nível que pululam entre os best
sellers brasileiros pode quebrar a
cara: "O Último Cabalista de Lisboa", do norte-americano Richard
Zimler, é muito bem escrito e está
a anos-luz desse tipo de literatura
barata. Mais: com Zimler, o intelectual sério pode voltar a ler sobre
temas esotéricos, sem ser excomungado por seus pares.
Zimler, 41, é um judeu de Nova
York, que desde 1990 vive em Portugal. É jornalista, professor da
Escola Superior de Jornalismo do
Porto e uma revelação como romancista. Bacharel em religiões
comparadas e música pela Universidade de Duke e mestre em jornalismo pela Universidade de Stanford, Zimler já escreveu mais dois
romances: "Unholy Ghosts", que
saiu no ano passado nos EUA e no
Reino Unido, e "The Angelic
Darkness", que sairá em Portugal
em abril, provavelmente com o título "Trevas Iluminadas" ou "Trevas da Luz". Leia abaixo os principais trechos da entrevista que
Zimler concedeu à Folha.
Folha - O que o levou a escrever
"O Último Cabalista de Lisboa"?
Richard Zimler - Foi um acidente. Em 1989, estava passando férias
na casa de minha mãe nos arredores de Nova York, quando, sentado na sala, deparei-me, entre os livros de arte dela, com uma obra
chamada "Um Sinal e uma Testemunha - 2.000 Anos de Livros Hebraicos e Manuscritos Iluminados". Como não sabia rigorosamente nada sobre a tradição das
iluminuras entre judeus, peguei o
livro. Fiquei deslumbrado com as
cores resplandecentes, as folhas de
iluminuras judaicas em Lisboa antes da Inquisição, até o ano da
grande conversão, 1497.
Fiquei surpreso porque já havia
estado em Portugal várias vezes e,
embora todos os meus amigos
soubessem que eu era judeu e escritor, ninguém me tinha falado
dessa herança cultural. Surgiu-me
logo a idéia de um especialista em
iluminuras lisboetas como figura
central de um romance.
Folha - A partir daí, você teve de
se preparar muito para escrever o
romance?
Zimler - Ficou claríssimo que
eu ia ter de ler muitos textos sobre
esse período para escrever um romance verossímil e convincente.
Ao fazer a pesquisa em Berkeley,
na Califórnia, onde vivia nessa altura, deparei-me com outro livro
que me influenciou muito -"O
Massacre de Lisboa em 1506 e o
Cetro de Judá", do grande historiador Yosef Hayim Yerushalmi.
Nesse livro, descobri que houve
um pogrom (movimento popular
de violência contra judeus) em Lisboa, em 1506, quando 2.000 cristãos novos foram mortos e queimados no Rossio.
Como era um episódio quase
perdido na História, acho que fui
captado pela idéia de escrever um
romance em que o pogrom fosse
elemento essencial. Pensei que
acrescentaria drama e emoção,
mas achei também que me ofereceria a oportunidade de abordar
assuntos profundos sobre os quais
os romancistas se sentem impelidos a escrever -neste caso, o
amor, a morte, a crueldade e o significado de uma vida individual.
Além disso, naquele mesmo livro, descobri que, durante o pogrom, pessoas também foram
mortas por vizinhos ou colegas
que aproveitaram o tumulto para
ajustar contas. Interroguei-me: e
se um membro da minha família
de iluminadores judeus fosse morto, mas não por cristãos? Daí nasceu o mistério central do romance.
Folha - O que acha da comparação de seu livro com "O Nome da
Rosa", de Umberto Eco, já que ambos propõem uma intriga policial
numa atmosfera medieval?
Zimler - Acho que a comparação é mais uma questão de marketing dos editores. Para mim, quase
não há semelhanças, além de serem ambos romances históricos.
Evitei escrever um pastiche que
imitasse a linguagem de época,
porque acho essas imitações artificiais e pouco convincentes. Umberto Eco aproveitou a personalidade de Sherlock Holmes e a transpôs para a Itália medieval. Por isso,
a meu ver, o seu personagem central é pouco original e um tanto esgotado. Esse tipo de personagem
acaba por afastar o leitor, porque
as referências óbvias a Sherlock
Holmes criam logo uma sensação
de artifício e encenação.
Folha - O que o levou a trocar os
EUA por Portugal?
Zimler - Creio que a minha mudança para Portugal tem muito a
ver com a morte de um dos meus
irmãos mais velhos, em maio de
1989. De certa forma, escapei da atmosfera de morte que havia nos
EUA e na minha família, ao "fugir"
para Portugal. O Porto foi uma opção natural porque conhecia pessoas aqui e havia a possibilidade de
trabalhar como professor na Escola Superior de Jornalismo.
Folha - Certa vez, você comparou
os EUA de hoje à Alemanha às vésperas da barbárie hitlerista. Gostaria que comentasse o assunto.
Zimler - Embora a comparação
com a Alemanha dos anos 30 seja
um exagero, estou bastante preocupado com a deslocação dos EUA
para a direita. Hoje em dia, praticamente não há liberais dentro do
Partido Democrata: são todos
"centristas" que acham, por exemplo, que o mercado livre sempre
tem razão, que sindicatos são negativos para qualquer sociedade e
que deveríamos tolerar homossexuais, mas não lhes dar todos os
direitos dos outros cidadãos. Há
alguns elementos dentro do Partido Republicano que têm idéias e
opiniões nitidamente fascistas
-embora não se utilize essa palavra nos EUA para descrevê-las.
Folha - Voltando ao "O Último
Cabalista de Lisboa": que expectativa você tem em relação ao seu
livro no Brasil?
Zimler - Espero que os leitores
brasileiros gostem do livro e encontrem algo de valor na minha
escrita. Em meu terceiro romance,
hã um personagem que passou
muito tempo no Brasil. Para escrevê-lo, tive de ler um bocado sobre
o período da ditadura. Li "Brasil:
Tortura Nunca Mais" e o que me
foi revelado nesse livro é absolutamente chocante.
Adelto Gonçalves, 46, jornalista e escritor, é
doutor em letras na área de literatura portuguesa pela Universidade de São Paulo.
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