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RESENHA
Eduardo Silva vê século 19 pelos olhos da vítima
da Equipe de Articulistas
A Guerra do
Paraguai
(1864-70) foi a
primeira grande
chance de libertação para muitos escravos negros das lavouras brasileiras. O
Exército e a Marinha ofereceram
liberdade aos escravos que quisessem servir de bucha de canhão
-os chamados "voluntários da
pátria"- no front.
Entre esses "voluntários" estava
Cândido da Fonseca Galvão, nascido em Lençóis (BA) por volta de
1845, filho de pai africano da nação ioruba. A guerra mudaria a vida de Galvão, elevado ao posto de
alferes por atos de bravura.
Ao voltar em 1870, trocou Salvador pelo Rio de Janeiro, onde fez
fama ao se auto-intitular rei
("obá" em ioruba) "dom Obá 2º
d'África", espécie de porta-voz
não-oficial do povo negro brasileiro, escrever artigos para jornais,
frequentar a corte de dom Pedro
2º com a desenvoltura e a elegância de trajes dos senhores.
"Alto, forte, majestoso, vestindo
sempre sobrecasaca, cartola no cimo da gaforinha, pince-nez de vidros fumados ou monóculo de aro
de ouro, o príncipe Obá era a figura mais popular da capital do Império", assim Galvão é descrito
por Câmara Cascudo em seu "Dicionário do Folclore Brasileiro".
"Vida, Tempo e Pensamento de
um Homem Livre de Cor" é o subtítulo desse livro do historiador
Eduardo Silva, admirável esforço
de pesquisa para recontar a história do Brasil a partir da passagem
de um homem comum por essas
terras: o negro emancipado, uma
raridade da sociedade civil, Cândido da Fonseca Galvão.
Reconstruir a vida de dom Obá,
"apesar da natureza fragmentária
da documentação", investigar a
natureza de suas relações com o
imperador dom Pedro 2º e a natureza de sua liderança dentro da comunidade negra, analisar suas
idéias sobre questões políticas e
sociais de seu tempo, discutir fontes e influências de seus pensamentos -esses os objetivos atingidos com brilhantismo pelo trabalho de Eduardo Silva.
Sua biografia do "príncipe do
povo" inclui apêndices com cartas, memoriais e artigos de autoria
de Galvão sobre a abolição da escravatura e as relações inter-raciais publicados em jornais da
época, além de notas explicativas,
bibliografia e índice onomástico.
Para além da vida pessoal de seu
personagem -um "tipo de rua
meio amalucado para a sociedade
de bem, mas reverenciado como
príncipe real entre escravos, libertos e homens livres de cor"-, a
pesquisa de Eduardo Silva consegue examinar com destreza o outro lado da sociedade escravocrata
do país no século 19, o lado visto
pelos olhos da vítima.
Sério, bem escrito, o livro presta
um valoroso serviço de reconquista do Brasil por meio da história.
(MARILENE FELINTO)
Livro: Dom Obá 2º D'África, o Príncipe do
Povo
Autor: Eduardo Silva
Lançamento: Cia. das Letras
Quanto: R$ 22 (263 págs.)
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