São Paulo, segunda, 14 de abril de 1997.

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TELEVISÃO
Rosane Marinho/Folha Imagem
Belisário França, 36, diretor do documentário sobre a língua portuguesa


Série produzida em parceria entre o cineasta Belisário França, o antropólogo Hermano Vianna e a TVE do RIo vai ao ar em setembro
'Além-Mar' reúne povos que falam português

CRISTINA GRILLO
da Sucursal do Rio

Um grupo de pessoas com traços orientais dança o vira -dança típica portuguesa- tendo ao fundo a arquitetura moderna de Cingapura; em Macau, na costa chinesa, outro grupo aprende capoeira com um professor português; em uma praia em Goa, na Índia, mulheres cantam ``Copacabana'', de João de Barro e Alberto Ribeiro.
Cenas como essas serão exibidas a partir de setembro na minissérie ``Além-Mar'', parceria do cineasta Belisário França, 36, e do antropólogo e pesquisador Hermano Vianna com a TV Educativa do Rio de Janeiro.
A idéia da minissérie é mostrar a vida e a cultura dos 200 milhões de pessoas que falam português pelo mundo e como essas diferentes culturas assimilaram traços umas das outras.
Para isso, ``Além-Mar'' apresentará cenas de lugares tão distantes quanto Málaca (cidade no litoral sul da Malásia), Goa, Maputo (em Moçambique) e Cingapura -além, é claro, do Brasil e de Portugal.
``Não temos muita noção, aqui, do que é a herança lusa nesses lugares e quais são os traços que essa herança deixou na cultura contemporânea'', explica França.
A equipe da minissérie já esteve na Ásia e na próxima semana embarca para a África. A primeira parte da viagem já rendeu histórias interessantes. A primeira delas: a descoberta de que em Cingapura há uma crescente preocupação dos descendentes de portugueses e asiáticos em recuperar a cultura lusitana.
Pela legislação do país, a língua oficial é o inglês, mas todo cidadão tem que optar por um segundo idioma.
``Por isso, há muitos descendentes preocupados em aprender a fala cristã, um tipo de português falado em Málaca (Malásia). Há também muitos cursos de vira e de culinária portuguesa'', conta França.
Outra curiosidade: a proximidade da culinária indiana com a culinária do Nordeste do país. ``Sempre se pensa que a origem de pratos como o sarapatel é a África, mas a raiz está em Goa, na Índia'', diz França.
Para o cineasta, a principal característica da série será mostrar que os portugueses foram o que se pode considerar os primeiros agentes de globalização.
``Eles se misturavam com a cultura local e carregavam produtos de um lado para o outro. São os verdadeiros globalizadores'', diz França.
O cineasta cita exemplos: o coco, produto que parece ser tão tipicamente brasileiro, foi trazido da Índia pelos portugueses; o caju, fruta brasileira, é o principal produto de exportação de Moçambique.
A música -outro ponto forte da minissérie-, também mostra essa globalização: guitarras portuguesas são a base do mandó, ritmo de Goa, e da música produzida na região de Macau. Em Goa, as guitarras são tocadas com o que França define como ``um suingue indiano''; em Macau, são acompanhadas por orquestras de instrumentos chineses.
Mas a cena que talvez deixe mais clara a proximidade dos países de língua portuguesa escapou das lentes de Belisário França. Num dia de folga, o cineasta passeava por uma feira em Macau quando foi abordado por uma adolescente do Timor Leste.
``Ela soube que eu era brasileiro e veio correndo me perguntar como terminava a novela `Mulheres de Areia'. Eu não sabia. Tive que inventar um final ali mesmo.''
``Além-Mar'' terá cinco programas, com uma hora de duração cada. De acordo com França, os capítulos serão montados a partir de temas centrais -identidade, fé, miscigenação, idioma e imagem contemporânea.
A minissérie está sendo filmada em película de 16mm, o que dá maior qualidade às imagens e facilita sua aceitação pelo mercado europeu. Além disso, o material dará origem a um longa-metragem, que deverá ser lançado no final do ano.

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