São Paulo, sexta-feira, 14 de abril de 2000


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CRÍTICA

Mojica, um homem de cinema

especial para a Folha

A tese que o documentário "Maldito" procura provar não é unânime: José Mojica Marins é um homem de cinema. Para isso, os diretores foram atrás de seu passado, para revelar algo que poucos conhecem, que Mojica morou, na infância e na adolescência, no fundo de um cinema, o que deu asas a um cineasta intuitivo.
Fã de histórias em quadrinhos, que são guardadas até hoje, Mojica nasceu em São Paulo, numa sexta-feira, 13, em 1936. Passou quase toda a vida em Vila Anastácio (zona noroeste), bairro que, na época, concentrava um grande número de terreiros de umbanda. Seu pai cuidava do projetor do cinema, enquanto sua mãe vendia bombons.
"Aprendi vendo cinema. Cinema é prática... Zé do Caixão nasceu de um sonho. Sonhei que um homem queria me levar, no meio da noite, para conhecer a minha morte", afirma Mojica, no documentário, que exibe os trechos mais representativos de sua obra.
Desde criança, ele fazia filmes. O documentário mostra o ex-galinheiro do bairro, que foi o seu primeiro estúdio. A marginal Tietê, na época um terreno baldio, era sua locação.
Tudo mudou quando Mojica viu, num velório, o vendedor de batatas do bairro "ressuscitar", história retratada em "Finis Hominis", de 1971. O medo da morte, o inferno, os velórios, o luto e o caixão passaram a ser os elementos-chave de sua obra; em "À Meia-Noite Levarei Sua Alma", de 1964, que fez de Mojica um dos cineastas mais populares e de maior bilheteria do Brasil, Zé do Caixão estreou.
Sem patrocínio do Estado, produzindo filmes com o dinheiro arrecadado pela bilheteria do filme anterior, Mojica tinha um estúdio na rua das Palmeiras, no centro de São Paulo, e quando precisava de uma floresta, usava um pequeno trecho de vegetação do largo do Arouche.
Na maioria de seus filmes, o personagem profana símbolos religiosos, bebe a cachaça dedicada para trabalhos de umbanda, ri de uma procissão e come carne numa Sexta-Feira Santa. Por vezes, Zé do Caixão, em fúria, diz: "Eu não creio em nada! Quero a prova do castigo. Mentira!".
Aí está o segredo de Zé do Caixão, que, em um público popular, num país essencialmente religioso, provoca o sentimento da dúvida, ridiculariza os ritos sagrados, enfrenta a ira de Deus, visita o inferno, em várias cenas memoráveis, exibidas no documentário.
Zé do Caixão é muito mais sério do que dita a vã cinematografia brasileira. O grande público captou a mensagem e prestigiou. Já a elite acha graça de suas unhas compridas e patrocina filmes que não são pagos, mas que tudo bem. (MRP)


Avaliação:     

Filme: Maldito - O Estranho Mundo de José Mojica Marins
Direção: André Barcinski e Ivan Finotti, Brasil, 2000, 66 min., vídeo
Quando: hoje, às 21h
Onde: Itaú Cultural (av. Paulista, 149, Paraíso, tel. 0/xx/11/238-1700)
Quanto: entrada franca


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