São Paulo, sexta-feira, 14 de abril de 2006

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CRÍTICA

Diretor enlaça histórias em filme de exuberância barroca

A atriz Suyane Moreira em cena do longa-metragem de Lírio Ferreira, que estréia hoje

Fotos Divulgação
A atriz Suyane Moreira em cena do longa-metragem de Lírio Ferreira, que estréia hoje


INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

O cartão de visitas, Lírio Ferreira entrega logo nas cenas de abertura: desfoques, uso ousado de lente grande-angular, um plano vertiginoso de Recife, angulações inesperadas.
O que vem a seguir não desmente esse início vertiginoso. Estamos no território do barroco, aonde nos leva já um roteiro com várias histórias que parecem nascer umas das outras.
A primeira delas, central, diz respeito a Jonas, homem do tempo de um canal de TV em São Paulo, que precisa se deslocar a Pernambuco para os funerais de seu pai, assassinado, a quem não via há milênios. De Recife ele viaja para Rocha, no interior, onde sua família o espera, enquanto prepara a vingança.
Em Recife, ele encontra um grupo de amigos "outsiders" que resolve fazer uma excursão até Rocha para acompanhar o amigo. A viagem será acidentada.
A terceira história diz respeito ao encontro de Rocha com a artista Soledad, que trabalha as relações decorrentes da seca na região. Podemos acrescentar a essas uma quarta história, a da família do assassino do pai, isto é, dos descendentes de indígenas que moram na região.
Com todos esses elementos (que lembram essas teias ficcionais hiperbólicas em que é pródigo um Carlos Reichenbach) para organizar num todo coerente, não é de espantar que estejamos diante de um filme de exuberância barroca, em que a luz é marcada por contrastes radicais e a imagem, por panorâmicas de 360 graus, cenas inteiras compostas em espelhos retrovisores, uma câmera que se posta ora lá em cima, ora cá embaixo e que parece se abrir a todas as influências do mundo: Godard e Welles, Sergio Leone e o faroeste, Glauber Rocha e o cinema dito marginal.
Lírio Ferreira se entrega a sua arte com paixão. Ele filma o agreste pernambucano como quem fizesse um faroeste. Mostra o sentimento de seus atores (Luiz Carlos Vasconcelos e Aramis Trindade em particular) ocultando-lhes os olhos. Retrabalha o clichê das vinganças nordestinas até desfigurá-lo. Ele pinta as estradas secas do Nordeste buscando o mesmo ânimo de Welles ao descrever a fronteira EUA/México.
Aos poucos, a gama de contrastes se alastra, ocupa o filme: branco e índio, interior e capital, seca e água, misticismo e racionalidade, Sudeste e Nordeste. É em meio a essas tensões que "Árido Movie" instala seu protagonista, que, com justa razão, se vê perdido nesse espaço múltiplo, labiríntico, incompreensível, talvez absurdo em que se dá esse drama do subdesenvolvimento cavalar.
Drama que, não sem ironia, o filme vê se transformar, no Sul, em exposição de arte, tutelada pela imagem de Meu Velho, o místico picareta. Sabemos então que "Árido Movie" quer extrair dessa paisagem e de seus personagens uma imagem do Nordeste que seja verdade, não arte. Em poucas palavras: esse primeiro vôo solo de Ferreira é bem mais que animador.


Árido Movie
   
Direção: Lírio Ferreira
Produção: Brasil, 2005
Com: Guilherme Weber, Giulia Gam
Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco e no HSBC Belas Artes




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