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Crítica/Romance
Clássico de Pearl S. Buck sobre a China recebe nova edição
"A Boa Terra", lançado em 1931, mostra transformações da China no início do século 20
LUÍS AUGUSTO FISCHER
ESPECIAL PARA A FOLHA
Que a China permanece
um mistério para o
Ocidente, não há dúvida. Mesmo que agora esteja se
modernizando, transformando-se numa terra cada vez mais
parecida com qualquer outra
em que a regra do mercado
mande, seu passado -3.000
anos de história relativamente
orgânica- mantém o ar de mistério profundo para nós.
Cultura letrada antiga, com
uma população massiva há séculos, a China tem pelo menos
uma competente intérprete no
campo do romance tradicional:
Pearl S. Buck (1892-1973), norte-americana que viveu em
Xangai desde bebê até os 15
anos de idade -e com preceptor confucionista.
Isso significa que a filha de
pastores presbiterianos criou-se como um raro caso de bilíngüe entre duas culturas distantes como talvez não pudessem
ser mais, naquela altura. Quis o
destino que ela viesse a ser uma
narradora de grande competência e sensibilidade histórica.
Exemplo alto de sua qualidade está estampada em "A Boa
Terra", romance de 1931 que foi
um dos maiores sucessos do
planeta, com 2 milhões de
exemplares vendidos nos primeiros dois anos, agora reeditado no Brasil (chega às livrarias no próximo dia 20).
Personagem pobre
Neste comovente livro,
acompanhamos a vida exemplar de um personagem pobre,
Wang Lung, um camponês pequeno proprietário, que se move com enorme esforço na direção da riqueza, que finalmente
alcança, na maturidade, trabalhando duro, com sua mulher, a
tosca e valorosa O-lan, com os
filhos que ela lhe dá, com um
pai velho, um tio canalha e a delicada ex-prostituta Lótus, que
se torna sua concubina assim
que o dinheiro permite.
Trata-se de uma trajetória
arrebatadora, que deixa o leitor
em estado de permanente tensão, porque acompanha ao
mesmo tempo um indivíduo
em busca de sua realização
num ambiente hostil, como os
bons romances de qualquer
época, e um mundo que se modifica irremediavelmente.
Nos termos da história ocidental, poderíamos dizer que se
trata do fim do mundo feudal:
um mundo patriarcal, em que
não há direitos públicos estáveis para os de baixo e em que
as mulheres são escravas mesmo quando nascem em famílias
de posses; um mundo de economia precária, basicamente
rural, muitas vezes nem monetarizada, sem integração a mercado superior ao da aldeia; um
mundo sobre o qual a qualquer
momento pode-se abater o
horror da fome generalizada,
que obriga à migração em direção à cidade, onde roubar e esmolar garantem sobrevida
mais digna que no campo.
Tudo isso Pearl S. Buck nos
dá em seu belo romance, mantendo como discreto pano de
fundo uma das convulsões sociais chinesas, que pode corresponder às lutas pela República,
em 1912, ou à guerra civil do final dos anos 20, quando começa o rastilho da luta socialista
que vai culminar em Mao.
Tudo isso o leitor recebe
num romance de corte realista:
Pearl S. Buck é uma espécie de
Balzac daquele mundo, sendo
porém mais discreta e muito
mais econômica no desenho da
psicologia dos indivíduos.
"A Boa Terra" tem personagens que se parecem aos das
narrativas antigas ocidentais,
bíblicas ou homéricas, gente
cujos sentimentos nos chegam
menos por traços psicológicos
explícitos e mais por breves indicações de temperamento.
LUÍS AUGUSTO FISCHER é professor de literatura na Universidade Federal do Rio Grande do
Sul e autor de "Quatro Negros" (L&PM).
A BOA TERRA
Autor: Pearl S. Buck
Tradução: Adalgisa Campos da Silva
Editora: Alfaguara/Objetiva
Quanto: R$ 39,90 (320 págs.)
Avaliação: ótimo
Leia trecho
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