São Paulo, sábado, 14 de abril de 2007

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Crítica/Romance

Clássico de Pearl S. Buck sobre a China recebe nova edição

"A Boa Terra", lançado em 1931, mostra transformações da China no início do século 20

LUÍS AUGUSTO FISCHER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Que a China permanece um mistério para o Ocidente, não há dúvida. Mesmo que agora esteja se modernizando, transformando-se numa terra cada vez mais parecida com qualquer outra em que a regra do mercado mande, seu passado -3.000 anos de história relativamente orgânica- mantém o ar de mistério profundo para nós.
Cultura letrada antiga, com uma população massiva há séculos, a China tem pelo menos uma competente intérprete no campo do romance tradicional: Pearl S. Buck (1892-1973), norte-americana que viveu em Xangai desde bebê até os 15 anos de idade -e com preceptor confucionista.
Isso significa que a filha de pastores presbiterianos criou-se como um raro caso de bilíngüe entre duas culturas distantes como talvez não pudessem ser mais, naquela altura. Quis o destino que ela viesse a ser uma narradora de grande competência e sensibilidade histórica. Exemplo alto de sua qualidade está estampada em "A Boa Terra", romance de 1931 que foi um dos maiores sucessos do planeta, com 2 milhões de exemplares vendidos nos primeiros dois anos, agora reeditado no Brasil (chega às livrarias no próximo dia 20).

Personagem pobre
Neste comovente livro, acompanhamos a vida exemplar de um personagem pobre, Wang Lung, um camponês pequeno proprietário, que se move com enorme esforço na direção da riqueza, que finalmente alcança, na maturidade, trabalhando duro, com sua mulher, a tosca e valorosa O-lan, com os filhos que ela lhe dá, com um pai velho, um tio canalha e a delicada ex-prostituta Lótus, que se torna sua concubina assim que o dinheiro permite.
Trata-se de uma trajetória arrebatadora, que deixa o leitor em estado de permanente tensão, porque acompanha ao mesmo tempo um indivíduo em busca de sua realização num ambiente hostil, como os bons romances de qualquer época, e um mundo que se modifica irremediavelmente.
Nos termos da história ocidental, poderíamos dizer que se trata do fim do mundo feudal: um mundo patriarcal, em que não há direitos públicos estáveis para os de baixo e em que as mulheres são escravas mesmo quando nascem em famílias de posses; um mundo de economia precária, basicamente rural, muitas vezes nem monetarizada, sem integração a mercado superior ao da aldeia; um mundo sobre o qual a qualquer momento pode-se abater o horror da fome generalizada, que obriga à migração em direção à cidade, onde roubar e esmolar garantem sobrevida mais digna que no campo.
Tudo isso Pearl S. Buck nos dá em seu belo romance, mantendo como discreto pano de fundo uma das convulsões sociais chinesas, que pode corresponder às lutas pela República, em 1912, ou à guerra civil do final dos anos 20, quando começa o rastilho da luta socialista que vai culminar em Mao.
Tudo isso o leitor recebe num romance de corte realista: Pearl S. Buck é uma espécie de Balzac daquele mundo, sendo porém mais discreta e muito mais econômica no desenho da psicologia dos indivíduos.
"A Boa Terra" tem personagens que se parecem aos das narrativas antigas ocidentais, bíblicas ou homéricas, gente cujos sentimentos nos chegam menos por traços psicológicos explícitos e mais por breves indicações de temperamento.


LUÍS AUGUSTO FISCHER é professor de literatura na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e autor de "Quatro Negros" (L&PM).

A BOA TERRA
Autor:
Pearl S. Buck
Tradução: Adalgisa Campos da Silva
Editora: Alfaguara/Objetiva
Quanto: R$ 39,90 (320 págs.)
Avaliação: ótimo
Leia trecho


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