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Festival retorna ao 11/9 chileno antes de ver o de Michael Moore
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
Antes que o diretor norte-americano Michael Moore faça seu
barulho em Cannes, na próxima
segunda, com "Fahrenheit 911"
-em que aborda o 11 de setembro de 2001, quando os EUA sofreram ataques terroristas-, o
festival retrocedeu ontem à mesma data, três décadas atrás.
O recuo temporal está em "Salvador Allende", do documentarista Patricio Guzmán, sobre a
trajetória do presidente socialista
chileno, alvo de golpe em 11 de setembro de 1973, quando morreu,
e o poder passou às mãos do general Augusto Pinochet.
"Salvador Allende" foi produzido na França, onde o chileno Guzmán, 62, vive há quatro anos. O
diretor diz que tentou financiar o
filme no Chile, mas só obteve negativas, "porque Allende é um assunto que deixa metade da população chilena desconfortável".
Guzmán encara o país dividido
entre a direita e a esquerda, "assim como a França, em que, a cada eleição, ou a esquerda ganha
por 51% ou perde por 48%".
O diretor opina que "a forte direita interna, corroborando a
ação dos Estados Unidos" foi o
que resultou no golpe contra o
presidente. Sua intenção com o
documentário é "recolocar em
primeiro plano a figura de Salvador Allende, cuja memória está
tão esquecida no Chile, sepultada
por uma campanha de tergiversações, mentiras e falsidades divulgadas sobre ele".
Um dos pontos controversos
sobre Allende diz respeito às condições exatas de sua morte. Embora hoje seja amplamente aceita
a versão de que o presidente cometeu suicídio no Palácio de la
Moneda, sob ataque dos golpistas, ainda há defensores da idéia
de que Allende foi morto em
combate com os oponentes.
Guzmán afirma que a morte de
Allende é um dos pontos que
mais o atraem na história do personagem. "No momento em que
Allende decide suicidar-se, ele liqüida Pinochet. É Pinochet o que
morre. Allende se transforma numa figura lendária, e Pinochet
passa imediatamente à galeria dos
tiranos."
"Salvador Allende" reúne entrevistas atuais e imagens de arquivo, inclusive trechos inéditos da
trilogia "A Batalha do Chile"
(1975-1979), que projetou Guzmán internacionalmente.
Reputado como um cineasta de
narrativa rigorosa, o chileno diz
não temer fazer filmes com "tempos lentos e entrevistas interminavelmente longas pelos padrões
televisivos". Guzmán afirma que
"o documentário é como a música de câmara: tem um público fiel
e freqüente, mas reduzido".
Sobre a produção de Michael
Moore, que conta suas platéias
em milhões de espectadores, Guzmán afirma: "Os grandes êxitos
no documentário são de outra índole. São obras que escapam à
fórmula documental rigorosa.
Moore é um agitador. Digamos
que ele não seja meu autor favorito, mas não se pode negar a energia de seus filmes. A linguagem
trepidante e televisiva que ele usa
é muito eficaz".
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