São Paulo, sexta-feira, 14 de maio de 2004

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Festival retorna ao 11/9 chileno antes de ver o de Michael Moore

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

Antes que o diretor norte-americano Michael Moore faça seu barulho em Cannes, na próxima segunda, com "Fahrenheit 911" -em que aborda o 11 de setembro de 2001, quando os EUA sofreram ataques terroristas-, o festival retrocedeu ontem à mesma data, três décadas atrás.
O recuo temporal está em "Salvador Allende", do documentarista Patricio Guzmán, sobre a trajetória do presidente socialista chileno, alvo de golpe em 11 de setembro de 1973, quando morreu, e o poder passou às mãos do general Augusto Pinochet.
"Salvador Allende" foi produzido na França, onde o chileno Guzmán, 62, vive há quatro anos. O diretor diz que tentou financiar o filme no Chile, mas só obteve negativas, "porque Allende é um assunto que deixa metade da população chilena desconfortável".
Guzmán encara o país dividido entre a direita e a esquerda, "assim como a França, em que, a cada eleição, ou a esquerda ganha por 51% ou perde por 48%".
O diretor opina que "a forte direita interna, corroborando a ação dos Estados Unidos" foi o que resultou no golpe contra o presidente. Sua intenção com o documentário é "recolocar em primeiro plano a figura de Salvador Allende, cuja memória está tão esquecida no Chile, sepultada por uma campanha de tergiversações, mentiras e falsidades divulgadas sobre ele".
Um dos pontos controversos sobre Allende diz respeito às condições exatas de sua morte. Embora hoje seja amplamente aceita a versão de que o presidente cometeu suicídio no Palácio de la Moneda, sob ataque dos golpistas, ainda há defensores da idéia de que Allende foi morto em combate com os oponentes.
Guzmán afirma que a morte de Allende é um dos pontos que mais o atraem na história do personagem. "No momento em que Allende decide suicidar-se, ele liqüida Pinochet. É Pinochet o que morre. Allende se transforma numa figura lendária, e Pinochet passa imediatamente à galeria dos tiranos."
"Salvador Allende" reúne entrevistas atuais e imagens de arquivo, inclusive trechos inéditos da trilogia "A Batalha do Chile" (1975-1979), que projetou Guzmán internacionalmente.
Reputado como um cineasta de narrativa rigorosa, o chileno diz não temer fazer filmes com "tempos lentos e entrevistas interminavelmente longas pelos padrões televisivos". Guzmán afirma que "o documentário é como a música de câmara: tem um público fiel e freqüente, mas reduzido".
Sobre a produção de Michael Moore, que conta suas platéias em milhões de espectadores, Guzmán afirma: "Os grandes êxitos no documentário são de outra índole. São obras que escapam à fórmula documental rigorosa. Moore é um agitador. Digamos que ele não seja meu autor favorito, mas não se pode negar a energia de seus filmes. A linguagem trepidante e televisiva que ele usa é muito eficaz".


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