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CONTOS
Jornalista combina registros que vão do chulo ao lírico em 12 textos
Em coletânea, Mario Sabino identifica narcisismo de estilo
MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA
O novo livro do jornalista
Mario Sabino se intitula "O
Antinarciso", mas nenhum dos
contos que compõem o volume
tem esse nome. Ao dar um título
que se aplica ao conjunto de seus
textos, portanto, o autor nos induz a encontrar indícios de "antinarcisismo" em cada um deles.
O termo narcisismo tem acepções que derivam ora de representações mitológicas e artísticas
(Narciso é a personagem que se
apaixona por sua imagem refletida na água), ora da psicanálise
(em que designa o investimento
afetivo no próprio ego). Sabino
identifica outra variante possível:
o narcisismo do estilo.
Afinal, o livro pode ser lido como uma desconstrução do narcisismo que atinge a própria forma
literária. Ao lançar mão da paródia e da combinação de registros
que vão do chulo ao lírico, do erudito ao coloquial, ele mostra que a
representação ficcional do narcisismo tem como contrapartida a
economia estilística e a auto-ironia; caso contrário, se confiasse
nos recursos da retórica, seria um
esteta -que nada mais é do que
um Narciso travestido de artista.
O volume tem três partes, cada
uma com quatro contos. A primeira se intitula "Forma" e reúne
narrativas que se apropriam de
outros autores, adaptando-os a
uma percepção contemporânea
da egolatria e do solipsismo das
relações sociais.
Em "Da Amizade Masculina",
por exemplo, o retrato de dois
amigos identificados pela beleza
física e pelo brilho intelectual remete ao ensaio em que Montaigne celebrou sua amizade com La
Boétie. Escrito num tom que faz
lembrar as epifanias estéticas de
Thomas Mann, o conto faz com
que a simbiose das duas personagens desperte mesquinharias envolvendo suas namoradas; ao final, a referência a Sócrates e Alcebíades mostra a degradação da
amizade filosófica antiga na mitomania e no ressentimento sexual
modernos.
O mesmo procedimento paródico aparece em "Um Chapéu ao
Espelho" (que reescreve o "Capítulo dos Chapéus", de Machado
de Assis) ou "Miserere" (diálogo
bíblico entre o homem e Deus, no
qual o livre-arbítrio é a expressão
teológica da crença narcisista na
auto-suficiência).
A segunda parte, "Estrutura",
traz textos mais próximos da crônica, do fluxo de consciência e da
metalinguagem -como "Biografia", que ironiza uma crítica que
pacifica o caráter perturbador da
invenção recorrendo a causalidades entre vida e obra dos autores.
Já a última seção, "Sentido (A
Falta de)", inclui os contos de
maior densidade psicológica.
Em "Não É Bem Assim", a ruptura entre dois amantes, por causa da resistência do narrador a casar e ter filhos, conduz a uma mirabolante reflexão sobre a nova
ferida narcísica que a genética impõe ao homem, reduzindo-o a um
"aglomerado de células somáticas", cuja função é ser "veículo
para a propagação do DNA".
E, em "Conto Infantil", o protagonista é assolado pelas imagens
da mãe morta, cuja presença simbólica ele deseja assassinar. Nesse
jogo de duplos entre sonho e realidade, vida e morte, loucura e sanidade, o enclausuramento em si
mesmo é expressão patológica de
um narcisismo para o qual uma
literatura como a de Mario Sabino, com suas múltiplas formas de
decompor o mecanismo das representações interiores, pode ser
um antídoto.
O Antinarciso
Autor: Mario Sabino
Editora: Record
Quanto: R$ 23,90 (112 págs.)
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