São Paulo, sábado, 14 de maio de 2005

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ÓPERA/CRÍTICA

A volta do homem da meia medida em plena época da medida e meia

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Já se foram os tempos em que o "Fausto" de Gounod (1818-93) era a ópera mais popular do mundo. Fazia nada menos do que 55 anos que a ópera não era tocada no Brasil, por exemplo; e a montagem da Osesp, em versão de concerto regida por John Neschling, quinta-feira na Sala São Paulo, ganhou assim quase ares de estréia.
Se "Fausto" -que estreou em 1859 e ficou 49 anos em cartaz (em vários países)- é relativamente pouco escutado agora, isso diz muito sobre as diferenças de sensibilidade entre o final do século 19 e os dias de hoje. O texto dos libretistas Jules Barbier e Michel Carré está tão distante do poema original de Goethe que lhe serviu de base quanto a música de Gounod dos ideais religiosos que ele admirava tanto em Bach (cabe lembrar que foi Gounod quem escreveu a célebre "Ave Maria", sobre as harmonias do "Prelúdio Nš 1" de "O Cravo Bem Temperado" de Bach).
"Fausto" é a ópera por excelência da pequena burguesia francesa do Segundo Império. Para nosso gosto atual, chega a exasperar, com sua ausência de grandes sentimentos e grandes idéias, justamente ali onde tudo pede sentimentos enormes e idéias fortes. Mas não se esconde aí, também, uma lição? Sentimentos e idéias têm estilos; e os estilos têm suas vidas. Esse monumento do século 19 só poderia ser ouvido e entendido nos seus termos, que há muito não são mais os nossos.
Ou será que são, de novo? O tom piedoso de texto e música, associado ambivalentemente ao drama erótico e material do herói que vende a alma a Mefistófeles, talvez tenha mais a ver com a realidade ao redor do que se gostaria.
Se fosse para julgar pelas vozes, aliás, a ópera aqui poderia se chamar "Mefistófeles", porque o baixo italiano Francesco Ellero D'Artegna levou o Moto-rádio de melhor em campo por aclamação. De seus companheiros solistas, o tenor norte-americano Gioacchino Li Vigni e a soprano romena Leontina Vaduva, fica difícil falar, sem cometer eventuais injustiças. Uma noite só é pouco para avaliar qualquer artista, e essa não era a noite deles.
Já Rodrigo Esteves e Denise de Freitas continuam firmes no céu tormentoso da música lírica nacional. E Carolina Faria e Michel de Souza seguraram muito bem seus papéis de apoio.
Quem realmente foi bem foi a orquestra, tocando o gigantesco "drama lyrique" como se fizesse isso desde criancinha, mas sem qualquer acento infantil. Regida com energia por Neschling -que está em seu elemento na ópera-, a Osesp tocou com inteligência e gana. As cordas deram um show. E o Coro da Osesp (preparado por Naomi Munakata) é sempre tão bom que a gente às vezes até esquece de elogiar.
O clarinetista Ovanir Buosi merece um parágrafo só para si. Vem tocando cada vez melhor, desde que voltou de uma temporada de estudos na Inglaterra, e anteontem seus solos, discreta, mas expressivissimamente, foram uma das melhores coisas da noite.
Gounod, que por tanto tempo era uma obviedade, para nós virou um enigma. Seu "Fausto" é um monumento às meias medidas, tão fácil e estranho de ouvir na era da medida e meia.


Fausto
   
Com: Osesp
Regência: John Neschling
Quando: hoje, às 16h30, seg., às 20h
Onde: Sala São Paulo (pça. Júlio Prestes, s/ nš, Campos Elíseos, tel. 3337-5414)
Quanto: R$ 25 a R$ 79


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