|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ÓPERA/CRÍTICA
A volta do homem da meia medida em plena época da medida e meia
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Já se foram os tempos em que o
"Fausto" de Gounod (1818-93)
era a ópera mais popular do mundo. Fazia nada menos do que 55
anos que a ópera não era tocada
no Brasil, por exemplo; e a montagem da Osesp, em versão de
concerto regida por John Neschling, quinta-feira na Sala São
Paulo, ganhou assim quase ares
de estréia.
Se "Fausto" -que estreou em
1859 e ficou 49 anos em cartaz (em
vários países)- é relativamente
pouco escutado agora, isso diz
muito sobre as diferenças de sensibilidade entre o final do século
19 e os dias de hoje. O texto dos libretistas Jules Barbier e Michel
Carré está tão distante do poema
original de Goethe que lhe serviu
de base quanto a música de Gounod dos ideais religiosos que ele
admirava tanto em Bach (cabe
lembrar que foi Gounod quem escreveu a célebre "Ave Maria", sobre as harmonias do "Prelúdio Nš
1" de "O Cravo Bem Temperado"
de Bach).
"Fausto" é a ópera por excelência da pequena burguesia francesa do Segundo Império. Para nosso gosto atual, chega a exasperar,
com sua ausência de grandes sentimentos e grandes idéias, justamente ali onde tudo pede sentimentos enormes e idéias fortes.
Mas não se esconde aí, também,
uma lição? Sentimentos e idéias
têm estilos; e os estilos têm suas
vidas. Esse monumento do século
19 só poderia ser ouvido e entendido nos seus termos, que há muito não são mais os nossos.
Ou será que são, de novo? O tom
piedoso de texto e música, associado ambivalentemente ao drama erótico e material do herói que
vende a alma a Mefistófeles, talvez
tenha mais a ver com a realidade
ao redor do que se gostaria.
Se fosse para julgar pelas vozes,
aliás, a ópera aqui poderia se chamar "Mefistófeles", porque o baixo italiano Francesco Ellero D'Artegna levou o Moto-rádio de melhor em campo por aclamação.
De seus companheiros solistas, o
tenor norte-americano Gioacchino Li Vigni e a soprano romena
Leontina Vaduva, fica difícil falar,
sem cometer eventuais injustiças.
Uma noite só é pouco para avaliar
qualquer artista, e essa não era a
noite deles.
Já Rodrigo Esteves e Denise de
Freitas continuam firmes no céu
tormentoso da música lírica nacional. E Carolina Faria e Michel
de Souza seguraram muito bem
seus papéis de apoio.
Quem realmente foi bem foi a
orquestra, tocando o gigantesco
"drama lyrique" como se fizesse
isso desde criancinha, mas sem
qualquer acento infantil. Regida
com energia por Neschling -que
está em seu elemento na ópera-,
a Osesp tocou com inteligência e
gana. As cordas deram um show.
E o Coro da Osesp (preparado por
Naomi Munakata) é sempre tão
bom que a gente às vezes até esquece de elogiar.
O clarinetista Ovanir Buosi merece um parágrafo só para si. Vem
tocando cada vez melhor, desde
que voltou de uma temporada de
estudos na Inglaterra, e anteontem seus solos, discreta, mas expressivissimamente, foram uma
das melhores coisas da noite.
Gounod, que por tanto tempo
era uma obviedade, para nós virou um enigma. Seu "Fausto" é
um monumento às meias medidas, tão fácil e estranho de ouvir
na era da medida e meia.
Fausto
Com: Osesp
Regência: John Neschling
Quando: hoje, às 16h30, seg., às 20h
Onde: Sala São Paulo (pça. Júlio Prestes,
s/ nš, Campos Elíseos, tel. 3337-5414)
Quanto: R$ 25 a R$ 79
Texto Anterior: Ópera/Crítica: Wagner ganha montagem correta Próximo Texto: Música: Henrik B. é atração do 24 Horas de Tecno Índice
|