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DRAUZIO VARELLA
Na catraca do metrô
A gritaria foi tanta que
formou uma roda em volta.
Pudera: às 18h, a estação Tatuapé
é das mais concorridas do metrô,
a caminho da zona leste, onde vivem 6 milhões de pessoas.
Era um final de tarde quente
demais para o mês de abril em
São Paulo, cidade de concreto,
despreparada para tanto calor.
No vagão apinhado, os ventiladores não davam vazão ao ar pesado que obrigava as senhoras a improvisar leques com revistas e pedaços de jornal. Foi um alívio
quando tive acesso ao oxigênio da
plataforma.
Ao chegar às catracas de saída
no meio do povo apressado, presenciei não apenas a confusão à
qual me referi inicialmente como
os acontecimentos que a antecederam, porque a figura daquele
que, segundos mais tarde, se tornaria o pivô da desavença chamava a atenção pela elegância.
Era um homem de 50 anos, bem
negro, de calça azul-marinho
com vinco, camisa branca impecavelmente passada e sapatos de
verniz iguais aos da malandragem de antigamente.
Com ele, sorridente, pouco antes da catraca de entrada, estava
uma mulher loira de carnes fartas, jeans apertado, sandália de
salto alto, blusa curta e umbigo de
fora. De mãos dadas, os dois aparentemente se despediam, íntimos, alheios aos que passavam.
De repente, no burburinho, destacou-se a voz de uma mulher:
- É assim que você me deixa
em casa para visitar o amigo
doente, cafajeste sem-vergonha!
Era uma morena de brincos de
argola que avistou o casal de longe e partiu decidida de bolsa em
punho para cima da loira:
- Branquela desbotada, você
vai aprender a respeitar o marido
das outras.
O homem do sapato de verniz
conseguiu se colocar entre as duas
e interceptar a trajetória da bolsa
destinada à cabeça da loira. Possessa, a morena continuou:
- Sai da minha frente, seu cachorro! Me larga, que eu vou esganar essa ordinária!
Segurando-lhe os braços com
firmeza, o homem procurava
acalmá-la em tom conciliador:
- Fala baixo, benzinho, as pessoas estão reparando, fica feio!
A situação do mediador estava
especialmente delicada porque,
ao mesmo tempo em que era obrigado a conter os ímpetos da morena, procurava convencer a outra:
- Não piora as coisas, atravessa a catraca e vai embora. É melhor para você, para mim, para
todo mundo.
A loira, no entanto, atingida em
seus brios, não arredava pé e ainda provocava:
- Solta ela! Deixa vir! Quem
ela pensa que é?
Alinhados junto à aglomeração
de curiosos, três seguranças de
farda preta acompanhavam a
disputa.
Um senhor de cabelos brancos e
gravata afrouxada que observava
a cena voltou-se em tom paternal
para o jovem de terno que estava
com ele:
- Vê como são as mulheres? Se
nós pegamos a mulher com outro,
mandamos o homem embora e
brigamos com ela. O amante está
na dele, nosso problema é com a
mulher. Elas, não! Deixam o homem de lado e se atracam com a
outra.
Ao lado, uma moça com ar de
evangélica insistia com um rapaz
de barba rala e óculos de fundo de
garrafa em dizer que os homens
são todos iguais e que marido nenhum presta, sem exceção. Ele argumentou que ela não devia condenar todos pelos erros de alguns;
não estava certo o justo pagar pelo pecador.
Depois de muito malabarismo
para separar as duas adversárias,
o pivô da confusão conseguiu
apaziguar uma e finalmente convencer a outra a atravessar a catraca, movimento que a morena
não poderia fazer sem o bilhete.
Separadas pelo obstáculo, a morena proferiu o desaforo derradeiro:
- Nunca mais chega perto do
meu homem, gorda descarada!
Foi a gota d'água! A loira, que
até ali ficara na defensiva, fez
meia-volta e retornou em passo
de mulher fatal. Quando chegou
bem perto, respondeu com o nariz
empinado:
- Magrela, quem te garante
que ele é teu?
A morena se jogou contra a catraca; não fosse o homem disputado agarrá-la pela cintura, teria
conseguido pular para dentro. "É
meu, sim, é meu!", berrava, enquanto a rival caminhava na direção da plataforma rebolando os
quadris exuberantes, indiferente
ao ódio da outra.
Quando a loira desapareceu na
escada rolante, a morena perguntou se o cafajeste estava satisfeito,
agora. Ele fez um comentário em
voz baixa, tentou colocar a mão
em seu ombro, mas ela se desvencilhou e desembestou na direção
da escadaria. O homem do sapato
de verniz saiu sem olhar para
trás, e a roda se dispersou no meio
dos passageiros que desembarcavam em ondas.
Ao passar pelos três seguranças
de farda preta, então postados
junto à bilheteria, ele reclamou
em tom magoado:
- Vocês são engraçados! Qualquer baguncinha na estação vocês caem em cima falando grosso,
com o cassetete em riste. Eu naquele alvoroço, coisa que pode
acontecer para qualquer filho de
Deus, e vocês feito estátua. Isso é
que é solidariedade masculina!
Os três permaneceram impassíveis até o reclamante se afastar.
Então, o mais forte deles murmurou por trás do bigode:
- Eu, hein!
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