São Paulo, domingo, 14 de maio de 2006

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CINEMA

Ator mexicano comenta seu novo filme e lembra início da carreira

Gael Garcia Bernal vive psicopata em "The King"

CHRIS SULLIVAN
DO "INDEPENDENT"

"Tenho muita sorte por ter me tornado conhecido fazendo algo de que gosto tanto", diz Gael Garcia Bernal. "Não procurei a fama, mas ela me permite o conforto de contar diferentes histórias e de continuar a fazer o trabalho que amo. Por isso, não posso me queixar. Nós atores somos muito afortunados."
Bernal atingiu o estrelato em "Amores Brutos" (2000), de Alejandro Inarritu, interpretando Octavio, um jovem que gosta muito de cachorros. Desde então, Garcia se destacou em diversos papéis complexos.
Ele foi um adolescente sexualmente potente em "E Sua Mãe Também" (2001), um padre lascivo mancomunado com traficantes de drogas mexicanos em "O Crime do Padre Amaro" (2002), um travesti dúplice em "Má Educação" (2004), de Pedro Almodóvar, e interpretou o jovem Che Guevara em "Diários de Motocicleta" (2004), de Walter Salles.
Em seu mais recente filme, "The King" (o rei), ele volta a deslumbrar, dessa vez como Elvis, o filho de uma prostituta mexicana que rastreia e localiza seu pai (William Hurt), um cristão vociferante, em Corpus Christi, Texas. Elvis se infiltra na família dele e causa tumulto. O filme chega ao Brasil neste mês, direto no formato DVD (distribuição Focus Filmes).
"Tive muita sorte quanto aos papéis que me foram oferecidos e um começo excelente com "Amores Brutos'", diz Garcia. "Mas, de lá para cá, venho tentando ser seletivo", ele prossegue, "e escolher coisas de maneira muito instintiva e orgânica. Eu posso ler o roteiro e conversar, mas, ocasionalmente, minha decisão se baseia em minha reação imediata. Recebo ofertas de Hollywood o tempo todo, mas não dá para compará-las com as coisas que fiz até agora. Qualidade e integridade artística não têm preço, para mim. Só quero interpretar personagens que eu considere interessantes."

Dificuldades
"Talvez os dois trabalhos mais desafiadores que fiz até hoje", acrescenta, "tenham sido em "Diários de Motocicleta" e "Má Educação". Interpretar Che foi uma grande responsabilidade, e as filmagens foram muito difíceis."
Garcia, que no passado trabalhou como professor, alfabetizando os índios huicholes, no México, tomou parte no levante pacífico do Estado mexicano de Chiapas, em 1994, e já se pronunciou contra a Guerra no Iraque. Para "Diários de Motocicleta" ele passou meses vivendo em função de Guevara. Participou de seminários sobre o clima cultural e político da América Latina naquela época, conversou longamente com Alberto Granados, 94, o companheiro real de Guevara em suas viagens, e aprendeu a dirigir a motocicleta Norton, modelo 1939. "Tentei absorver tudo que podia sobre Ernesto [Che] e pedi permissão aos deuses do cinema. Porque é preciso consentimento para interpretar esse papel."
Em "Má Educação", as dificuldades foram muito diferentes. "Me vestir de mulher foi muito interessante e, de certa forma, libertador. Alguns dos meus amigos homens disseram que eu fiquei bastante atraente... Eu não sabia direito como reagir a isso."
"Mas o personagem com o qual eu tenho a maior afinidade é o Julio de "E Sua Mãe...'", ele prossegue. "Venho de uma família mexicana de classe média parecida com a de Julio, e o filme trata de uma jornada emocional que vivemos. Era uma jornada comum, em que todos nos reconhecemos."

Pedreiro
Para Garcia, a jornada começou em Guadalajara, México, em 1978. Filho de um casal de atores intelectualizados e esquerdistas, ele começou a interpretar aos 11 anos, na novela mexicana "Teresa". "Não era realmente interpretação. Eu só participava. Não fazia o que faço agora."
Em 1996, o ator se matriculou na Central School of Speech and Drama, em Londres, e se sustentava trabalhando como pedreiro e como barman em um bar de Islington curiosamente batizado Cuba Libre. Nenhuma dessas experiências o preparou para interpretar Elvis, personagem de "The King".
"Elvis foi um desafio completamente novo, mas eu abordei "The King" como faria com qualquer outro papel, mesmo que ele seja um psicopata. Comecei pelo sotaque, e o desenvolvi a partir disso, com as roupas, a música que ele ouve. Pratiquei e ensaiei, e tentei levar em conta todos os diferentes ritmos da história."
"The King" -dirigido pelo documentarista inglês James Marsh e co-produzido e co-roteirizado por Milo Addica- confronta a convicção religiosa perguntando se as pessoas mais pias e temerosas a Deus são realmente capazes de perdoar o mal puro. O filme certamente irritará os fundamentalistas.
"Alguns evangélicos se incomodarão", diz. "Mas é uma boa visão introspectiva sobre a fé. A religião me interessa afinal, sou mexicano. Meu personagem em "Má Educação" deixa de acreditar em Deus por causa do que aconteceu a ele, e fui um padre em "Padre Amaro", mas a fé sempre ocupará um lugar, ainda que subliminar, em qualquer história que seja honesta."
Para o afável Garcia, o futuro parece róseo. Ele voltou a trabalhar com Inarritu em "Babel", na companhia de Cate Blanchett e Brad Pitt, um dos 19 filmes na competição oficial de Cannes neste ano. Está aguardando o lançamento de "The Science of Sleep" [a ciência do sono, 2006], dirigido por Michel Gondry. Em pré-produção, ele tem "Passado", de Hector Babenco, e sua estréia como diretor, em "Deficit".


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