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MARCELO COELHO
A um político, muchas gracias
Não é que eu recebo, num dia destes, um brinde de um vereador?
O chaveiro era "para mim"
AMIGO ELEITOR. Prezado concidadão. Você, que, como eu,
ama a nossa cidade. Sei que as
eleições para prefeito e vereador
ainda estão longe. E que talvez você
esteja decepcionado com o comportamento de nossa classe política.
Com a corrupção, com a mentira,
com o descaso...
Tenho uma boa notícia para você.
Finalmente, encontrei um político que pensa nas nossas necessidades. E cuida com desvelo de nossos
interesses. Explico.
É que eu comprei um carro recentemente. Não foi simples. Com o
aquecimento da economia, a espera
por novos veículos tem sido grande.
As concessionárias já não fazem
de tudo para atrair os seus clientes.
Foram-se embora os brindes, os
agradinhos, os descontos, os estofamentos de couro, a instalação grátis
do "alarme automotivo". Ganhei um
tapete de borracha, e olhe lá.
Aí é que entra na história o político para o qual solicito um minuto de
sua atenção.
Não é que eu recebo, num destes
dias, um brinde desse vereador paulistano? Uma coisa útil, bem pensada e, embora de valor insignificante,
admirável no seu gênero.
Era um chaveiro. Mas não tinha o
retrato do vereador. Tinha a forma
exata de uma placa de carro. E com
as letras e o número do carro que eu
acabei de comprar!
Adeus, penduricalhos sem sentido: pedras brasileiras, petequinhas
coloridas, coraçõezinhos fofos de
borracha, escudos do Corinthians,
recordações de Teresópolis.
Foi inventado o chaveiro racional,
o chaveiro certo, o chaveiro único
para o seu veículo: aquele que tem a
placa insubstituível dele mesmo.
Agradeço a lembrança. Mas fiquei
um pouco preocupado.
Como ele sabia a placa do meu
carro? Está ligado às revendedoras?
Ao mundo tentacular dos despachantes? Terá conhecidos no Detran? O que pensa sobre multas e
congestionamentos?
O fato é que, sem ironia, me senti
pessoalmente agraciado com a iniciativa. O chaveiro era "para mim".
Já é um progresso. Continuo a fazer
parte de uma massa indistinta de votantes. Tenho, ao menos, meu próprio número.
Era tempo de aperfeiçoarem o velho marketing político dos santinhos e do horário eleitoral. Tudo ficou mais fácil, hoje em dia, com a
informática.
Quem já encomendou livros na
internet sabe como é: eles têm o histórico das suas preferências e compras anteriores.
"Alô, Marcelo! Temos recomendações para você." Peço um livro, e a
tela informa que quem pediu esse livro também gostou daquele outro.
A disputa entre Hillary e Obama,
para quem andou acompanhando,
seguiu uma lógica parecida: o "eleitorado em geral" já deixou de existir.
Os estrategistas dividem-no em grupos cada vez menores: as aposentadas do Wisconsin, os latinos de 20
anos em Nova Jersey, os anabatistas
do Minnesota.
Pontos fracos no mapa eleitoral
serão "trabalhados" pelo candidato,
que depois de eleito irá equilibrar-se
como pode, distribuindo seus chaveirinhos (e chaveirões), imagino
que nas modalidades "silver", "gold"
e "platinum".
Para quem encara o marketing
eleitoral com naturalidade, vale a
pena alugar o documentário (lá vou
eu com minha mania de documentários) intitulado "Crise É o Nosso
Negócio", de Rachel Boyd.
O filme acompanha de perto
(mais de perto, impossível) a campanha presidencial boliviana de 2002.
Evo Morales já concorria naquele
ano, mas perdeu para Gonzalo Sánchez de Losada, o "Goni", um azarão
completo.
Era privatizante e tinha até sotaque americano. Mas contratou a
empresa de James Carville, marqueteiro de Bill Clinton. Seguimos
cada reunião dos especialistas com o
candidato. É instrutivo.
E assustador? Em parte, sim. Carville ri como um cientista louco de
história em quadrinhos. Predomina
um máximo de insensibilidade política, ao lado de um máximo de tecnologia eleitoral. Mas logo vemos
que o marketing sozinho não faz
milagres.
Um candidato pode vencer com
a melhor campanha e perder de si
próprio, com ajuda daqueles a quem
derrotou -ainda mais quando há
um Evo Morales, e muita miséria,
por perto. Nem todos, afinal, contentam-se com chaveirinhos -ainda mais se não têm carros para
dirigir.
coelhofsp@uol.com.br
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