São Paulo, sábado, 14 de maio de 2011

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Literatos sobem rio Negro em cruzeiro

Autores como Cristovão Tezza e Laurentino Gomes entram em navio para dar palestras e visitar tribos indígenas

Projeto "Navegar é preciso" partiu do dono da Livraria da Vila, durou cinco dias e gerou crônica "chapa branca"


ROBERTO KAZ
ENVIADO ESPECIAL MANAUS

A ideia de um cruzeiro literário era, no mínimo, antagônica.
Transposta ao mundo musical, seria como assistir a um concerto da Osesp em Las Vegas. Se a seara fosse religiosa, seria escutar o sermão de um padre na sinagoga (ou numa mesquita, num templo budista, num terreiro de umbanda...).
As palavras "cruzeiro" (que remete a Miami, minigolf, lambaeróbica) e "literário" (sugere silêncio, introspecção) pareciam não se encaixar de nenhuma forma.
Apenas pareciam.
Ontem, no Porto de Manaus, 46 pessoas desembarcaram de um navio, o Grand Amazon, em companhia de Cristovão Tezza, José Eduardo Agualusa, Mary del Priore e Laurentino Gomes.
Haviam desembolsado entre R$ 4.400 e R$ 5.300 para, durante cinco dias, ouvir os autores, confinados, palestrando por sobre as águas do rio Negro.
O projeto "Navegar é preciso" surgiu um ano atrás, da cabeça de Samuel Siebel, dono da Livraria da Vila. "Eu promovia encontros literários nas lojas", explica. "Pensei: "Por que não fora delas?'"
Siebel procurou, então, Guilherme Padilha, sócio de uma agência de viagens, a Aurora Eco, que arcou com os custos da empreitada. De chofre, optaram por realizar um cruzeiro.
"Pensamos no litoral sul do Rio, mas a Flip já era ali", disse Padilha, que sugeriu, também, um roteiro pela Patagônia: "Mas o Samuel não queria fora do Brasil."
Sobraram três opções: um cruzeiro em Pernambuco, para Fernando de Noronha; na Bahia, pelo rio São Francisco; e no Amazonas, subindo o rio Negro. A decisão foi unânime.
Siebel se encarregou de convidar os autores. "O Cristovão Tezza topou de cara. O Laurentino Gomes ficou de pensar, mas se decidiu antes de desligar o telefone", lembra. (Milton Hatoum, que havia concordado em participar, desistiu um mês antes, alegando razões pessoais).
A exemplo do que ocorre na Flip, os convidados -que ainda incluíam o grupo musical Mawaka, o autor de livros infantis Ilan Brenman e a ativista Sylvia Guimarães- não receberam cachê.
"Mas eles ganharam passagem, estadia e o direito de trazer mais uma pessoa", explica Siebel.
Ele conta que nunca teve a pretensão de fazer um festival literário aos moldes da Flip: "Não chamei mais autores para não perder o tom intimista. Queria que essa tribo que nunca entra em um cruzeiro sentisse aqui uma coisa caseira".
Para dar conta disso, tentou ao máximo abolir a programação do navio (em outras semanas, o Grand Amazon percorre o mesmo roteiro, subindo o Rio Negro, sem literatos a bordo).

AVENTURA
O esforço foi em vão. Na segunda-feira, quando entraram no navio, autores, músicos e público pagante foram brindados com uma pergunta, enunciada por um membro da tripulação: "E aí, pessoal, estão prontos para encarar essa aventura na floresta amazônica?"
A aventura incluiria uma visita a uma "tribo selvagem" (com um macaco enjaulado que poderia ser fotografado a R$ 5) e um show, na última noite, de um tripulante vestido de índio.
"Um pouco a gente tem que desencanar, também", ensinou Siebel. As demais atividades -tirando as palestras- incluiriam observação de botos, jacarés e pesca de piranhas.
Cristovão Tezza, vencedor do Jabuti por "O Filho Eterno", pareceu não se importar. Uma noite, no deque, comentou: "Isto aqui está tão bom que escrevi uma crônica chapa-branca".


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