São Paulo, sábado, 14 de junho de 1997.



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LITERATURA
Jornal de Minas Gerais publica correspondência inédita entre o poeta e sua mãe, contrariando herdeiros
Drummond tem cartas divulgadas

CARLOS HENRIQUE SANTIAGO
da Agência Folha, em Belo Horizonte

A divulgação de cartas de Carlos Drummond de Andrade a sua mãe pode revelar um lado desconhecido do poeta, a dois meses do décimo aniversário de sua morte.
A publicação de trechos de sua correspondência inédita, pelo jornal "Estado de Minas" no último fim-de-semana, está contrariando os herdeiros vivos do poeta.
Segundo um especialista na obra do poeta ouvido pela Agência Folha, o lote mais importante da correspondência consiste em cerca de 120 cartas enviadas por Drummond, do Rio, para a sua mãe, em Itabira (MG), após a morte do pai, na década de 30.
A correspondência prossegue até 1948, quando sua mãe, Julieta Augusta, morreu.
Segundo o especialista -que não quis se identificar, justificando que não quer se indispor com os herdeiros-, a relação do poeta com a mãe é quase desconhecida, mostrando a pouca importância da mulher na sociedade patriarcal do interior de Minas.
"Drummond escreveu dezenas de poesias sobre o pai, mas existem apenas umas quatro sobre a mãe", diz o especialista.
Ele ressalta que foi nesse período que Drummond se tornou um grande poeta. "Nas últimas cartas, ele já se desentendeu com o Partido Comunista e se voltou para a família, o que resultou no lado memorialista de sua obra."
Para o professor de literatura aposentado Antônio Sérgio Bueno, autor do livro "Modernismo em Belo Horizonte", as cartas mostram um lado humano do poeta, "mais conhecido pelo seu lado iconoclasta -do livro 'Alguma Coisa', por exemplo".
"Sou a favor da publicação, desde que não haja referências negativas a alguma pessoa viva", explica.
O tom geral das cartas à mãe, no entanto, são bastante amenos. Tratam de comunicados sobre a filha, Maria Julieta, ou acertam a compra ou venda de bens.
Em outros momentos, ele pede notícia de sua cidade natal, Itabira (MG), ou envia um livro seu, pedindo desculpas antecipadas por alguma "tolice".
"A questão do apego à família é muito forte. Nas cartas, ele procura sempre agradar e faz concessões à mãe", diz Bueno.
O advogado dos herdeiros, Henrique Gandelmann, afirma que a divulgação das cartas não está autorizada pela família do poeta.
Segundo ele, os herdeiros não vêem razão para que o seu conteúdo se torne público.
"Essas cartas não têm valor cultural. O único interesse que pode haver na sua divulgação é o de tirar benefício para vendê-las", afirma.
As cartas estão atualmente no Instituto Cultural Brasil-Estados Unidos, uma escola particular de línguas em Lavras (261 km a sul de Belo Horizonte), para onde foram levadas pelo funcionário Eduardo Cicarelli.
Além das cartas à mãe, seu acervo inclui fotos do poeta e cartas endereçadas ao irmão Flaviano, a quem Drummond chamava de Vivi, e à cunhada Natália, chamada carinhosamente nas cartas de Ita.
Cicarelli, que é colecionador de selos, afirma que adquiriu o material há quatro anos, durante um leilão informal entre filatelistas em uma feira no Rio de Janeiro.
Otávia Miller, sobrinha-neta do poeta, confirmou que as cartas são autênticas e foram deixadas pela mãe de Drummond, Julieta Augusta, após sua morte, com a sobrinha do poeta, Julieta Drummond Miller.
Segundo ela, Julieta Miller "dispôs das cartas há três anos", mas não disse se o acervo foi vendido.
A reportagem da Agência Folha apurou que o acervo valeria cerca de R$ 50 mil e, caso seja publicado em livro, esse valor cairia para R$ 10 mil.



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