São Paulo, quarta-feira, 14 de junho de 2000


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ARTES
Estilista e proprietário da M. Officer inaugura sua primeira individual, "Os Redundantes e a Elite das Cavernas"
Carlos Miéle troca roupa por arte em exposição no Paço

CELSO FIORAVANTE
DA REPORTAGEM LOCAL

O Paço das Artes, na USP, inaugura hoje a primeira mostra individual do artista plástico Carlos Miéle, que apresentará uma série de fotografias, vídeos e instalações.
A partir daqui, seria possível descrever cada uma das obras, falar de seus materiais e do conceito que rege a exposição, mas mais interessante é abrir por outro ponto, que já começou a render mais conversas de salão que a própria mostra. Carlos Miéle pode ser artista?
A pergunta se justifica. Apesar de a exposição ser sua primeira individual, Miéle não é um desconhecido.
Antes de ser artista, ele é um consagrado estilista, responsável pela criação das coleções e proprietário da grife M. Officer. Enfim, Miéle é um bem-sucedido empresário que tem ao seu dispor todos os recursos financeiros para produzir basicamente o que quiser como artista.
Mas Carlos Miéle pode ser artista, se julgar que é capaz disso e que tem o que dizer. Basta seguir a máxima de que qualquer um pode ser artista, uma premissa que torna a arte uma democrática forma de expressão.
Não é preciso ter nascido em uma família de artistas, crescido com um pincel na mão ou frequentado uma faculdade para produzir arte. O fato de ter uma outra vida não inviabiliza a sua condição de artista.
Então vamos à mostra.
Carlos Miéle partiu de um conceito ético e político para criar a sua exposição: a exclusão na sociedade contemporânea.
Apresenta trabalhos em que, mais que conceitos estéticos, predominam questões como a discriminação social, a marginalidade, o caos urbano e a inviabilidade do país. "Nunca tivemos tantos meios e oportunidades de recuperação, e ela nunca pareceu tão distante", lamentou-se Miéle.
O vídeo "Dois Mundos", por exemplo, exibido em duas telas, mostra um personagem vestido com uma "Roupa de Fuga", que, depois de um passeio pelo caos urbano e social da cidade, se despe e utiliza a roupa para atravessar a tela e fugir para o outro mundo. O argumento daria uma boa ficção, mas Miéle preferiu trabalhar com o real.
"Roupa de Fuga" é um macacão à prova de fogo e de bala que se divide em vários pedaços que, unidos, produzem uma corda de mais de 4 metros de comprimento. "Criei-a pensando nos mendigos, que também precisam se proteger", disse Miéle.
Próximo a "Dois Mundos", será exibido o vídeo "131 Fugas", com imagens de fugas e rebeliões na Febem. "Essas cenas são apresentadas diariamente pela mídia, que não consegue se aprofundar no problema. É uma crítica à maneira que a sociedade vê o mundo pela TV", disse.
O vídeo é uma alusão às 131 fugas realizadas por Roberto Carlos Ramos, um ex-interno da Febem que se recuperou e hoje faz doutorado em pedagogia na França. Para provar sua tese de que ninguém é irrecuperável, depois de deixar a Febem Ramos adotou 12 crianças da instituição e as educou para a volta ao convívio social.
Ramos e Miéle agora desenvolvem um projeto de criação de escolas em áreas carentes em que a tecnologia seja usada como fator de inclusão social. "Hoje existe uma exclusão muito grande na sociedade, gerada, em grande parte, pelo acesso à tecnologia", justificou Miéle, que reconhece fazer parte da elite que tem acesso à tecnologia.
Convém aqui lembrar que, para discutir a discriminação no país, Miéle não precisaria ter recorrido à tecnologia ou à arte, mas poderia ter ficado na moda mesmo, já que esta também é um fator de exclusão social.
A relação de Miéle com a arte não é recente. Há alguns anos vem convidando artistas, como Tunga, Arthur Omar, Cabelo e Nelson Leirner, para criarem instalações e performances para os desfiles da M. Officer.
Em outros trabalhos, a relação de Miéle com a moda é ainda muito latente, algo que prejudica a arte. Na instalação "Purgatório", por exemplo, ele espalhou em uma sala escura vestidos vazios de sua criação sobre um tecido vermelho. A trilha sonora de fundo tende a aumentar o clima lúgubre da instalação. Lembram fantasmas sobre um mar de sangue, mas não passam muito das aparências. Ou será que, com este trabalho, colocado logo à entrada da mostra, ele está querendo dizer que está saindo do inferno da moda para entrar no paraíso da arte?

Mostra: Os Redundantes e a Elite das Cavernas, de Carlos Miéle (fotografias, vídeos e instalações) Onde: Paço das Artes (av. da Universidade, 1, tel. 0/xx/11/211-0682, USP, São Paulo, SP) Vernissage: hoje, às 20h Quando: de segunda a sexta, das 13h às 20h; sábado e domingo, das 14h às 19h Quanto: entrada franca

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