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ARTES
Estilista e proprietário da M. Officer inaugura sua primeira individual, "Os Redundantes e a Elite das Cavernas"
Carlos Miéle troca roupa por arte em exposição no Paço
CELSO FIORAVANTE
DA REPORTAGEM LOCAL
O Paço das Artes, na USP, inaugura hoje a primeira mostra individual do artista plástico Carlos
Miéle, que apresentará uma série
de fotografias, vídeos e instalações.
A partir daqui, seria possível
descrever cada uma das obras, falar de seus materiais e do conceito
que rege a exposição, mas mais
interessante é abrir por outro
ponto, que já começou a render
mais conversas de salão que a
própria mostra. Carlos Miéle pode ser artista?
A pergunta se justifica. Apesar
de a exposição ser sua primeira
individual, Miéle não é um desconhecido.
Antes de ser artista, ele é um
consagrado estilista, responsável
pela criação das coleções e proprietário da grife M. Officer. Enfim, Miéle é um bem-sucedido
empresário que tem ao seu dispor
todos os recursos financeiros para
produzir basicamente o que quiser como artista.
Mas Carlos Miéle pode ser artista, se julgar que é capaz disso e
que tem o que dizer. Basta seguir a
máxima de que qualquer um pode ser artista, uma premissa que
torna a arte uma democrática forma de expressão.
Não é preciso ter nascido em
uma família de artistas, crescido
com um pincel na mão ou frequentado uma faculdade para
produzir arte. O fato de ter uma
outra vida não inviabiliza a sua
condição de artista.
Então vamos à mostra.
Carlos Miéle partiu de um conceito ético e político para criar a
sua exposição: a exclusão na sociedade contemporânea.
Apresenta trabalhos em que,
mais que conceitos estéticos, predominam questões como a discriminação social, a marginalidade,
o caos urbano e a inviabilidade do
país. "Nunca tivemos tantos
meios e oportunidades de recuperação, e ela nunca pareceu tão distante", lamentou-se Miéle.
O vídeo "Dois Mundos", por
exemplo, exibido em duas telas,
mostra um personagem vestido
com uma "Roupa de Fuga", que,
depois de um passeio pelo caos
urbano e social da cidade, se despe e utiliza a roupa para atravessar a tela e fugir para o outro
mundo. O argumento daria uma
boa ficção, mas Miéle preferiu trabalhar com o real.
"Roupa de Fuga" é um macacão
à prova de fogo e de bala que se divide em vários pedaços que, unidos, produzem uma corda de
mais de 4 metros de comprimento. "Criei-a pensando nos mendigos, que também precisam se
proteger", disse Miéle.
Próximo a "Dois Mundos", será
exibido o vídeo "131 Fugas", com
imagens de fugas e rebeliões na
Febem. "Essas cenas são apresentadas diariamente pela mídia, que
não consegue se aprofundar no
problema. É uma crítica à maneira que a sociedade vê o mundo
pela TV", disse.
O vídeo é uma alusão às 131 fugas realizadas por Roberto Carlos
Ramos, um ex-interno da Febem
que se recuperou e hoje faz doutorado em pedagogia na França. Para provar sua tese de que ninguém
é irrecuperável, depois de deixar a
Febem Ramos adotou 12 crianças
da instituição e as educou para a
volta ao convívio social.
Ramos e Miéle agora desenvolvem um projeto de criação de escolas em áreas carentes em que a
tecnologia seja usada como fator
de inclusão social. "Hoje existe
uma exclusão muito grande na
sociedade, gerada, em grande
parte, pelo acesso à tecnologia",
justificou Miéle, que reconhece
fazer parte da elite que tem acesso
à tecnologia.
Convém aqui lembrar que, para
discutir a discriminação no país,
Miéle não precisaria ter recorrido
à tecnologia ou à arte, mas poderia ter ficado na moda mesmo, já
que esta também é um fator de exclusão social.
A relação de Miéle com a arte
não é recente. Há alguns anos
vem convidando artistas, como
Tunga, Arthur Omar, Cabelo e
Nelson Leirner, para criarem instalações e performances para os
desfiles da M. Officer.
Em outros trabalhos, a relação
de Miéle com a moda é ainda
muito latente, algo que prejudica
a arte. Na instalação "Purgatório",
por exemplo, ele espalhou em
uma sala escura vestidos vazios de
sua criação sobre um tecido vermelho. A trilha sonora de fundo
tende a aumentar o clima lúgubre
da instalação. Lembram fantasmas sobre um mar de sangue,
mas não passam muito das aparências. Ou será que, com este trabalho, colocado logo à entrada da
mostra, ele está querendo dizer
que está saindo do inferno da moda para entrar no paraíso da arte?
Mostra: Os Redundantes e a Elite das
Cavernas, de Carlos Miéle (fotografias,
vídeos e instalações)
Onde: Paço das Artes (av. da
Universidade, 1, tel. 0/xx/11/211-0682,
USP, São Paulo, SP)
Vernissage: hoje, às 20h
Quando: de segunda a sexta, das 13h às
20h; sábado e domingo, das 14h às 19h
Quanto: entrada franca
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