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CINEMA/ESTRÉIAS
"GENTE DA SICÍLIA"
Huillet e Straub criam "ato de resistência"
ALVARO MACHADO
ESPECIAL PARA A FOLHA
M ais do que uma lacuna para o público brasileiro que
acompanha a produção cinematográfica européia mais intelectualizada, a ausência dos franceses Danièle Huillet e Jean- Marie
Straub tornava-se incômoda.
"Gente da Sicília", que no ano
passado mereceu o prêmio da crítica na Mostra Internacional de
São Paulo, é o primeiro filme da
dupla francesa exibido aqui em
circuito comercial, estimulando
uma pergunta: como reagirá o
público não-iniciado a esse olhar
que é "faca só lâmina"?
Apesar da distância geográfica
entre o sertão de Pernambuco e o
extremo sul da península itálica, o
caráter do verso de João Cabral de
Mello Neto acima reproduzido
autoriza uma aproximação.
Não apenas pela dureza dos elementos numa paisagem varada
por luz implacável -e registrada
no filme com o rigor de um preto-e-branco em alto contraste, além
de enquadramentos talhados em
pedra. A comparação é ainda
mais apropriada quando se avalia
a dignidade solar e seca de personagens como o cavalheiro que,
num vagão de trem, expõe seu desejo de missões mais elevadas e
seu horror à rotina dos velhos deveres. Ele poderia estar num romance de Guimarães Rosa, com
seu chapéu e sua prosopopéia.
O anônimo passageiro e seus
companheiros de viagem pertencem ao universo do escritor siciliano Elio Vittorini (1908-1966) e
ao livro "Conversações na Sicília",
do qual o filme adapta cinco ou
seis diálogos magistrais.
Autobiográfico, o autor faz o
personagem de Silvestro ensaiar
os passos de uma proustiana viagem de reencontro de sua mãe.
Edipiano, ele a indaga sobre antigas relações extramaritais. A resposta franca da mulher ainda sensual não deixará de incomodar o
código moral burguês na base da
consciência de todo leitor/espectador. Mais tarde, na cena final do
filme, Silvestro travará um dos
diálogos políticos mais cortantes
e belos da história da literatura,
numa conversa aparentemente
banal sobre o preço do serviço de
um amolador de facas.
"Sicilia!" (título original) alia à
obra literária reflexões da linguagem cinematográfica. Se nos filmes anteriores de Straub/ Huillet
o teor da narração divergia das
imagens focalizadas, revelando
realidades subterrâneas (como
notou o filósofo Gilles Delleuze),
agora é o silêncio que faz emergir
verdades insuspeitadas.
Seja no aspecto político ou sob o
ângulo formal, Straub e Huillet
continuam fazendo de suas criações um "ato de resistência", como nomeou Delleuze, "um ato de
resistência tem sempre duas faces, sendo ao mesmo tempo um
ato humano e um ato de arte, ambos resistindo à morte".
Gente da Sicília
Sicilia!
Produção: França/Itália, 1998
Direção: Danièle Huillet e Jean-Marie
Straub
Com: Gianni Buscarino, Vittorio Vigneri
Quando: a partir de hoje no Espaço
Unibanco 1
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