UOL


São Paulo, segunda-feira, 14 de julho de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MÚSICA

Caixa reúne cinco discos esquecidos da cantora, inclusive raridade editada pelo Museu da Imagem e do Som em 68

Originais de Elizeth Cardoso ganham reedição

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

É mais um espaço que os independentes tomam: o selo carioca Biscoito Fino coloca no mercado "Faxineira das Canções", uma caixa com cinco discos originais de Elizeth Cardoso (1920-1990) pelos quais gravadoras maiores nunca demonstraram interesse.
A produção do pesquisador Hermínio Bello de Carvalho, provavelmente o mais dedicado cultor vivo de Elizeth na MPB, é o que unifica os discos reunidos. Eles saíram originalmente em fases tão distintas quanto o final dos anos 60 e o início dos 90.
Textos inéditos -e caudalosos- de Hermínio completam as reedições, historiando o curso da MPB com um cuidado que em geral não é tido por quem edita discos no Brasil.
Vedete do pacote é o CD duplo que registra o encontro de sonho entre uma das maiores vozes femininas que o Brasil conheceu, seu descobridor (o compositor e instrumentista Jacob do Bandolim, por sua vez acompanhado pelo Conjunto Época de Ouro) e um grupo de ases da bossa nova (o Zimbo Trio).
O show saiu em LP em dois volumes, em 1968, por iniciativa do MIS (Museu da Imagem e do Som). Não pertencia ao acervo de nenhuma gravadora, era improvável que saísse um dia do limbo. Saiu, afinal, por obra da Biscoito Fino -o que faz lembrar que Clementina de Jesus tem um disco nas mesmíssimas condições, editado em 1970 pelo mesmo MIS e inédito até hoje em CD, alô, Biscoito Fino...
Em 39 faixas individuais ou em pot-pourri, Elizeth, Jacob, o Época (do pai de Paulinho da Viola, César Farias) e o Zimbo se encontram e se alternam enquanto passeiam por verdadeiro chão de estrelas da canção nacional.
Partem de Pixinguinha, João de Barro, Noel Rosa, Orestes Barbosa, Silvio Caldas, Ary Barroso, Ataulfo Alves, Nelson Cavaquinho; estacionam em Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Baden Powell, Carlos Lyra; alcançam Edu Lobo, Chico Buarque, Paulinho da Viola e Milton Nascimento. Em 68, Elizeth já era a um tempo passado, presente e futuro (apesar de antitropicalista).
Pulem-se 18 anos. O momento seguinte da caixa é "Luz e Esplendor", disco ao vivo editado em 86 de forma independente -após fazer a história da Copacabana (que hoje pertence à EMI), Elizeth virou uma independente, em plena era Sarney.
Se não conta com o brilho dos discos do MIS, "Luz e Esplendor" tem seus charmes. O principal é o pot-pourri auto-referente "Elizetheana", em que um jogral de vozes homenageia a dona do espetáculo de cordas vocais atadas à dela. As vozes? Cauby Peixoto, Nana Caymmi, Maria Bethânia, Alcione. Alhos, bugalhos e barbalhos, como Elizeth sempre gostou.
Logo em seguida, Joyce aparece para cantar "Faxineira das Canções", que compôs pensando na matriarca e que se torna, em 2003, mote para o título da caixa.
A essa reedição se somam quatro faixas-bônus resgatadas do ineditismo por Hermínio, inclusive intensa versão para a "Modinha" de Heitor Villa-Lobos, sob letra do poeta Manuel Bandeira.
À parte os convidados presentes no disco, vozes ausentes também falam por trás da voz matricial de quem tudo lhes ensinou -Elizeth canta por Nara Leão, por Clara Nunes, por Ney Matogrosso.
Vem então "Ary Amoroso - Elizeth Canta Ary Barroso", que, apesar de possuir credencial para ser considerado um dos melhores dos mais de 50 discos que ela deixou, só foi lançado em 91, após a morte da dona da voz.
Traz apenas composições de Ary Barroso, que em 2003 faria cem anos. Elizeth se esbalda, sublinhando a dor de "Folha Morta", o porre de "Na Batucada da Vida", o provincianismo doce de "No Rancho Fundo", sobretudo a alegria triste de "Inquietação". Era incrível que ela, lutando contra o câncer desde 87, ainda exibisse à beira da morte aquilo tudo de voz.
A Sony foi quem lançou originalmente (e depois abandonou) "Ary Amoroso", que tem como quase irmão "Todo o Sentimento", gravado em 1989, mas lançado simultaneamente em 1991. Esse era um álbum de parceria com o jovem violonista Raphael Rabello, que morreria precocemente em 95. No repertório, já meio repetitivo, conviviam as idades de Haroldo Barbosa, Herivelto Martins, Jacob do Bandolim, Cartola, Tom Jobim, seu sempre adorado Baden Powell, Chico Buarque, Joyce...
Se "Ary Amoroso" era só passado, com Rabello novamente Elizeth fazia a síntese na curva do tempo. É o que faz, ainda que tarde, essa "Faxineira das Canções" da Biscoito Fino.
Ah. E a maioria dos melhores discos de Elizeth é da EMI. E continua inédita em CD.

Faxineira das Canções


    
Artista: Elizeth Cardoso
Lançamento: Biscoito Fino
Quanto: R$ 75 (preço para compra no site www.biscoitofino.com.br)



Texto Anterior: Artes plásticas: "Livro de Artista" abre suas páginas para visitação
Próximo Texto: DVD: Anos 50 iluminam xadrez de Stanley Kubrick
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.