|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MÚSICA
Caixa reúne cinco discos esquecidos da cantora, inclusive raridade editada pelo Museu da Imagem e do Som em 68
Originais de Elizeth Cardoso ganham reedição
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
É mais um espaço que os independentes tomam: o selo
carioca Biscoito Fino coloca no
mercado "Faxineira das Canções", uma caixa com cinco discos originais de Elizeth Cardoso
(1920-1990) pelos quais gravadoras maiores nunca demonstraram
interesse.
A produção do pesquisador
Hermínio Bello de Carvalho, provavelmente o mais dedicado cultor vivo de Elizeth na MPB, é o
que unifica os discos reunidos.
Eles saíram originalmente em fases tão distintas quanto o final dos
anos 60 e o início dos 90.
Textos inéditos -e caudalosos- de Hermínio completam as
reedições, historiando o curso da
MPB com um cuidado que em geral não é tido por quem edita discos no Brasil.
Vedete do pacote é o CD duplo
que registra o encontro de sonho
entre uma das maiores vozes femininas que o Brasil conheceu,
seu descobridor (o compositor e
instrumentista Jacob do Bandolim, por sua vez acompanhado
pelo Conjunto Época de Ouro) e
um grupo de ases da bossa nova
(o Zimbo Trio).
O show saiu em LP em dois volumes, em 1968, por iniciativa do
MIS (Museu da Imagem e do
Som). Não pertencia ao acervo de
nenhuma gravadora, era improvável que saísse um dia do limbo.
Saiu, afinal, por obra da Biscoito
Fino -o que faz lembrar que Clementina de Jesus tem um disco
nas mesmíssimas condições, editado em 1970 pelo mesmo MIS e
inédito até hoje em CD, alô, Biscoito Fino...
Em 39 faixas individuais ou em
pot-pourri, Elizeth, Jacob, o Época (do pai de Paulinho da Viola,
César Farias) e o Zimbo se encontram e se alternam enquanto passeiam por verdadeiro chão de estrelas da canção nacional.
Partem de Pixinguinha, João de
Barro, Noel Rosa, Orestes Barbosa, Silvio Caldas, Ary Barroso,
Ataulfo Alves, Nelson Cavaquinho; estacionam em Tom Jobim,
Vinicius de Moraes, Baden Powell, Carlos Lyra; alcançam Edu
Lobo, Chico Buarque, Paulinho
da Viola e Milton Nascimento.
Em 68, Elizeth já era a um tempo
passado, presente e futuro (apesar
de antitropicalista).
Pulem-se 18 anos. O momento
seguinte da caixa é "Luz e Esplendor", disco ao vivo editado em 86
de forma independente -após
fazer a história da Copacabana
(que hoje pertence à EMI), Elizeth
virou uma independente, em plena era Sarney.
Se não conta com o brilho dos
discos do MIS, "Luz e Esplendor"
tem seus charmes. O principal é o
pot-pourri auto-referente "Elizetheana", em que um jogral de vozes homenageia a dona do espetáculo de cordas vocais atadas à dela. As vozes? Cauby Peixoto, Nana
Caymmi, Maria Bethânia, Alcione. Alhos, bugalhos e barbalhos,
como Elizeth sempre gostou.
Logo em seguida, Joyce aparece
para cantar "Faxineira das Canções", que compôs pensando na
matriarca e que se torna, em 2003,
mote para o título da caixa.
A essa reedição se somam quatro faixas-bônus resgatadas do
ineditismo por Hermínio, inclusive intensa versão para a "Modinha" de Heitor Villa-Lobos, sob
letra do poeta Manuel Bandeira.
À parte os convidados presentes
no disco, vozes ausentes também
falam por trás da voz matricial de
quem tudo lhes ensinou -Elizeth
canta por Nara Leão, por Clara
Nunes, por Ney Matogrosso.
Vem então "Ary Amoroso - Elizeth Canta Ary Barroso", que,
apesar de possuir credencial para
ser considerado um dos melhores
dos mais de 50 discos que ela deixou, só foi lançado em 91, após a
morte da dona da voz.
Traz apenas composições de
Ary Barroso, que em 2003 faria
cem anos. Elizeth se esbalda, sublinhando a dor de "Folha Morta", o porre de "Na Batucada da
Vida", o provincianismo doce de
"No Rancho Fundo", sobretudo a
alegria triste de "Inquietação".
Era incrível que ela, lutando contra o câncer desde 87, ainda exibisse à beira da morte aquilo tudo
de voz.
A Sony foi quem lançou originalmente (e depois abandonou)
"Ary Amoroso", que tem como
quase irmão "Todo o Sentimento", gravado em 1989, mas lançado simultaneamente em 1991. Esse era um álbum de parceria com
o jovem violonista Raphael Rabello, que morreria precocemente
em 95. No repertório, já meio repetitivo, conviviam as idades de
Haroldo Barbosa, Herivelto Martins, Jacob do Bandolim, Cartola,
Tom Jobim, seu sempre adorado
Baden Powell, Chico Buarque,
Joyce...
Se "Ary Amoroso" era só passado, com Rabello novamente Elizeth fazia a síntese na curva do
tempo. É o que faz, ainda que tarde, essa "Faxineira das Canções"
da Biscoito Fino.
Ah. E a maioria dos melhores
discos de Elizeth é da EMI. E continua inédita em CD.
Faxineira das Canções
Artista: Elizeth Cardoso
Lançamento: Biscoito Fino
Quanto: R$ 75 (preço para compra no
site www.biscoitofino.com.br)
Texto Anterior: Artes plásticas: "Livro de Artista" abre suas páginas para visitação Próximo Texto: DVD: Anos 50 iluminam xadrez de Stanley Kubrick Índice
|