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ANÁLISE
"A Turma do Gueto" sintoniza mudanças
ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA
Hoje é dia de "A Turma do
Gueto". Em meio ao marasmo que assola a programação televisiva, a terceira temporada do
seriado exibido pela TV Record e
produzido pela independente Casablanca vem conseguindo manter índices de audiência na casa
dos dois dígitos -mesmo sem
Netinho.
O apresentador e idealizador do
programa não renovou seu contrato optando pela produção de
uma aguardada alternativa, que
trataria do universo popular fora
da chave da violência.
Porém a nova temporada de "A
Turma do Gueto" evitou a anunciada ênfase na barbárie usualmente associada às favelas e bairros pobres das grandes cidades.
O seriado manteve uma faceta
de ação afirmativa. Pamela
(Adriana Alves), a bela mulata,
cujo nome lembra a personagem
do tradicional "Dallas", além de
estudar e namorar um dos chefões, continua a se desenvolver
como estilista.
Os professores do colégio estadual, sugestivamente chamado
Quilombo, permanecem engajados na missão de dedicação integral à formação de espíritos mais
preparados. O novo professor
protagonista (Lui Mendes) abre
mão de um promissor emprego
em uma grande empresa para se
arriscar no estimulante ofício de
ensinar em perigosas quebradas.
A nova temporada conta com
Paixão de Jesus no papel da fogosa Gardênia, e Diana (Faina Espinosa), uma misteriosa personagem feminina, espiã supostamente de língua castelhana, embora
sem sotaque, que se infiltra no
movimento.
Esse misto de "Cidade de Deus"
com "Ao Mestre com Carinho"
mereceria um bom banho de produção de qualidade -roteiro,
diálogos, cenário, atuação, edição- para talvez superar a média
de 10 pontos no Ibope.
Mas, mais do que isso, poderia
se tornar um interessante experimento de representação da violência, talvez o maior desafio para
a produção audiovisual contemporânea.
Presentes há muito no cinema, a
violência e a pobreza constituem
duas das maiores ausências na teledramaturgia brasileira. Provavelmente é justamente por abordá-las, sintonizando mudanças
no imaginário e no cotidiano, que
o seriado se estabelece.
Mas em vez de simplesmente
mimetizar o universo diariamente presente nos jornais, o programa poderia se atrever a sair da polaridade bom X mau negro pobre,
para se aventurar em terrenos
mais complexos da representação
da violência, nem sempre associada à pobreza ou justificável pela
carência material.
Embora possa parecer paradoxal, talvez a dramaturgia tenha
justamente que abandonar o terreno conhecido do realismo para
se aventurar em intervir em uma
conjuntura tão carente de perspectivas.
Esther Hamburger é antropóloga e
professora da ECA-USP
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