São Paulo, quarta-feira, 14 de julho de 2004

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De volta à realeza

Afshin Shahidi - 29.mar.2004/
Associated Press

Prince se apresenta em Los Angeles, em março


Com o disco "Musicology", Prince vive um dos melhores momentos de sua carreira

JON PARELES
DO "NEW YORK TIMES",
EM HANHASSEN, MINNESOTA


O barulho de alguém batucando uma levada funk ecoava pelo corredor enquanto o visitante caminhava pelo Paisley Park, o complexo de estúdios construído por Prince no subúrbio de Minneapolis. Pouco depois, o baterista aparecia, com jaqueta branca de seda chinesa, calças brancas justas, sapatos brancos e camiseta vermelha com o letreiro NPGMC. Era Prince, que aproveitava o tempo antes da entrevista para gravar.
Prince vem sendo virtualmente uma banda de estúdio de um homem só desde que lançou seu primeiro disco, em 1978, e nos anos que se seguiram ele gravou rock e funk, baladas pop e excursões ao jazz. Sua habilidade e versatilidade o tornaram um modelo para músicos tão díspares quanto D'Angelo, Beck e Outkast.
"Gravo o tempo todo", diz, com simplicidade. Mas fez uma pausa para refletir sobre o melhor ano de sua carreira em pelo menos uma década. Prince abriu a cerimônia do Grammy em fevereiro, acompanhado por Beyoncé, e foi admitido ao hall da fama do rock, em março. Seu mais recente álbum, "Musicology" (Paisley Park/Columbia), vendeu mais de 1 milhão de cópias nos EUA desde o lançamento, em junho, e está na lista dos 20 mais vendidos da "Billboard". E ele vem lotando ginásios com seus shows.
Na segunda-feira, Prince começará temporada de três noites no Madison Square Garden, em Nova York. Normalmente, depois dos shows, conduz prolongadas jam sessions em casas noturnas. Em 31 de dezembro de 2001, casou-se com Manuela Testolini, ex-funcionária do Paisley Park.
Prince, 46, confessou estar sonolento ao conduzir o visitante até o estúdio e se instalar diante do console de mixagem. Mas em "Musicology" ele se vangloria de não ter botão de desligar e à medida que falava sua animação crescia: levantava-se aos saltos, pegava a guitarra para mostrar uma levada funk, declamava como um pregador gospel. O jovem lascivo de discos como "Dirty Mind" (1980) afirmava a fé recém-encontrada. "Sempre soube que tinha uma relação com Deus, mas não estava certo de que Deus tivesse uma relação comigo."
Uma das salas novas do Paisley Park tem a palavra "Knowledge" [conhecimento] pintada na parede externa. Suas estantes abrigam livros e panfletos das Testemunhas de Jeová, e uma Bíblia está aberta em um pedestal. Prince já não fala palavrões e parou de cantar sobre sexo casual.
"Sempre entendi que as duas coisas estavam profundamente interligadas, sexo e espírito", disse. "Isso nunca mudou. O que se tornou mais claro para mim foi a importância da monogamia."
"A palavra "sexo" se tornou algo tão... significa muitas coisas para tantas pessoas diferentes", acrescentou. "Já não a uso com tanta freqüência. Foi conspurcada."
Em turnê, ele sempre recorria ao seu velho repertório, canções como "Purple Rain" e "D.M.S.R.", que quer dizer "Dance Music Sex Romance". Será que se sente embaraçado por títulos mais provocantes de seu catálogo? "Embaraçado?", responde, rindo. "Não sei o que essa palavra quer dizer. Você já viu minhas roupas?"
Tabular o sucesso atual de Prince é uma questão contenciosa. Em sua turnê, os espectadores recebem cópias do álbum como parte do preço do ingresso, e os discos vendidos dessa forma foram computados para a parada de álbuns da "Billboard". De acordo com a Sony Music, essa forma de comércio responde por 27% das vendas de "Musicology". Mas mesmo na semana de 4 de julho, quando Prince não fez nenhum show, o disco vendeu 61 mil cópias, mantendo-se no 15º lugar.
"Uma coisa empurra a outra, que é exatamente o que Prince acreditava que aconteceria", disse Michelle Anthony, vice-presidente-executiva Sony Music. "Para alguém como Prince, quebrar todas as regras é sempre possível."
Depois de surgirem queixas de que Prince estava distribuindo o disco como brinde, a "Billboard" e a SoundScan, responsável pelas paradas, mudaram o método de registro de vendas de álbuns. Se um disco for vendido com um ingresso para um show, o comprador precisa autorizar uma sobretaxa no preço do álbum para que a venda seja incluída no cômputo das paradas de sucesso. Mas a regra não é retroativa, de modo que Prince deve se manter no alto enquanto durar a turnê.
"Não o fiz para usurpar o poder da "Billboard" ou da SoundScan", diz. "Mas o verdadeiro poder está na comunidade, em criar uma conexão real com as pessoas."
A visibilidade reconquistada por Prince não é exatamente um retorno. Ele jamais deixou de gravar e de fazer shows, mas por anos manteve-se distante da máquina de marketing das grandes gravadoras. Seu longo contrato com a Warner Brothers Records atravessou um período de turbulência depois de 1993, quando ele mudou seu nome para um ideograma impronunciável e apareceu com a palavra "escravo" escrita no rosto. Discos creditados a Prince continuaram saindo pela Warner até o final do contrato, enquanto os discos atribuídos ao ideograma saíam como produções independentes. Ele agora está negociando com a Warner o lançamento de versões remasterizadas de discos antigos.
Prince fundou uma empresa, a NPG Records. Depois que seu contrato com a Warner acabou, Prince retomou seu nome.
Mas ele decidiu adotar um novo modelo de negócios. Em seu acordo atual com a Sony Music, Dan Ienner, presidente da subsidiária do grupo nos EUA, o classifica como "único". Prince paga a gravação do disco e os custos de promoção, e a Columbia fabrica, distribui e comercializa o álbum, recebendo comissão sobre venda. Não é um contrato de longo prazo ou exclusivo. "Ninguém pode se alegar proprietário do meu trabalho", diz Prince. "Sou o criador da música, e ela vive dentro de mim."
"Faço todo tipo de disco", afirma. "Para esse álbum, não estava com vontade de fazer grandes declarações. Não é a minha apertar o gatilho e destruir alguma coisa. Eu prefiro relaxar."
A essa altura, família e amigos do músico vão chegando ao estúdio: a mulher de Prince, o baixista funk Larry Graham e sua mulher, filha, genro e neto. O neto, Jaiden Eittreim, 19 meses, cutuca um teclado enquanto Prince aperta botões, elogiando o tempo do menino. "Ele vai ser do funk", diz.
Quando chega a hora de dormir, Jaiden reclama e faz caretas ao ser tirado do teclado. Testolini olha, sorrindo. "É exatamente como Prince", diz com carinho sobre o marido, "quando alguém tenta tirá-lo do estúdio".

Tradução Paulo Migliacci


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