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"O ATOR INVISÍVEL"
A pequenez do mestre Yoshi Oida
SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Algumas semanas atrás, enquanto solenes discursos
abriam o festival internacional de
um palanque em frente ao Teatro
Municipal de Rio Preto, por um
breve momento houve uma dispersão por parte da platéia.
O diretor de "Les Bonnes" (espetáculo que dali a instantes inauguraria o festival), Yoshi Oida,
chegava ao teatro de bicicleta.
Apresentado pela imprensa local como "o melhor ator do mundo", Oida não perdeu um só momento para desautorizar o título.
Cumpria o que lera no "Livro do
Chá", de Okakura, quando deixou o Japão pela primeira vez, há
mais de 30 anos: "Aqueles que
não sabem ver a pequenez de sua
própria grandeza não serão capazes de perceber a grandeza na pequenez dos outros".
Quando chegou sua vez de colocar em livro sua própria experiência, primeiro em "Um Ator Errante", depois em "O Ator Invisível",
ambos publicados pela editora
Beca, tendo o último sido lançado
durante o festival, Oida não esqueceu a importância do despojamento, característica aliás de sua
atuação como ator e diretor.
Em "Um Ator Errante", no qual
expõe sua trajetória, detalhando
não só sua participação em montagens históricas de Peter Brook
("Orghast", "A Conferência dos
Pássaros", "O Mahabharata"),
mas suas experiências no Japão,
Oida não cede à tentação da automistificação, quase regra quando
se trata de biografias de atores.
Mostra-se vulnerável, com dúvidas sobre o próprio talento, "à deriva", como diz o título original.
Suas peregrinações pelo mundo
podem de certo modo assim ser
vistas como "angya", a viagem
iniciática da cultura japonesa, que
já deu à literatura obras como
"Sendas de Oku", do poeta Bashô.
À paisagem descrita como no
episódio fascinante da travessia
do Sahara, na companhia internacional de Brook, encadeiam-se logo considerações técnico-filosóficas sobre a posição da coluna vertebral em relação à terra e ao céu,
unificando o prosaico e o místico.
Compartilha memórias íntimas
(com a sua obsessão pelo suicídio
legada pelo amigo Mishima e curada pela iniciação no budismo)
não para transmitir uma "mensagem" de esoterismo de auto-ajuda, mas para deixar no ar questões sem resposta, como os koans
iniciáticos, que servem de base
para seu espetáculo "Interrogações", apresentado no festival.
"Um Ator Errante", narração de
um percurso, é complementado
agora por "Um Ator Invisível",
que propõe uma concepção essencial do ator.
Dividido em itens técnicos ("O
Movimento", "A Interpretação",
"A Fala"), o livro de Yoshi concentra-se na descrição de exercícios e métodos que experimentou
ao longo da carreira (e aqui acrescenta também a recente experiência no mais recente espetáculo de
Brook, "The Man Who").
Embora sendo mais indicado
para atores, esse segundo livro
aprofunda imagens e dados biográficos, além de definir melhor
seu ideal de "invisibilidade", que,
segundo ele, o bom ator deve ter,
de forma a nunca atrair atenção
para si, mas para o que mostra.
A profundidade dos ensinamentos de Yoshi se deduz, consequentemente, da força sintética
de suas metáforas. Postula por
exemplo que um ator que ostenta
uma técnica sem se dispor à exposição de seus sentimentos tem
"boca", mas não tem "língua".
Quem viu Ismael Ivo em "Les
Bonnes", despojado de qualquer
maneirismo pela direção essencialista de Oida, entende imediatamente a metáfora.
Ao final de "Interrogações",
modelo de espetáculo "invisível",
no qual o protagonista é platéia
que se esforça em responder às
perguntas paradoxais do mestre
Oida, o músico solta de repente
um disco dourado que usava como instrumento.
Milagrosamente, o disco sobrevoa o palco em suaves círculos
concêntricos e, quando o público
abismado descobre enfim o fio
que o sustenta, percebe que Yoshi
já saiu de cena, evocando o haicai
de Ishikawa: "Dizer um milagre
banal e desaparecer, quando todos estiverem surpresos".
O contato com Yoshi Oida, seja
ao vivo ou por escrito, deixa marcas profundas.
O Ator Invisível
Autor: Yoshi Oida
Lançamento: editora Beca (176 págs.)
Quanto: R$ 25, em média
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