São Paulo, terça-feira, 14 de agosto de 2001

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Arnaldo Antunes consuma afinidade com Brown

DA REPORTAGEM LOCAL

Vem de longe a parceria musical entre o paulista Arnaldo Antunes, 40, e o baiano Carlinhos Brown, 36. Mas "Paradeiro", quinto álbum solo de Antunes, é que marca a consumação da afinidade. Brown, além de co-autor de três faixas, é produtor do disco todo, com o paulista Alê Siqueira.
Antunes procura decifrar as afinidades: "Chamei Brown para a produção pensando em fazer um trabalho em que ele participasse ativamente. Está muito presente no disco a marca dele e da música do Candeal, onde ele foi gravado. Eu queria explicitar a participação de Brown no meu trabalho".
A associação trouxe modificações imediatas a seu trabalho, ele diz: "Antes eu chegava ao estúdio com arranjos prontos, bem definidos. Neste, não, quis chegar mais aberto. Foi um dado para que houvesse a marca do diálogo. A gente faz música quando a gente se encontra".
Ele explica melhor: "Com os Titãs, eu tinha aquela naturalidade de sentar e fazer música em conjunto. Hoje componho com muita gente diferente, porque gosto do exercício de adequação à linguagem do outro, mas é raro sentar e fazer junto. Perdi isso quando saí dos Titãs, mas com Brown e Marisa Monte é assim".
Ele não reconhece uma oposição de características entre os dois, ele mais cerebral e intelectual e Brown, mais espontâneo e popular. "Somos mais complementares que opostos. Ele é efervescente, uma usina de idéias. Eu sou contido, penso muito antes de dizer ou fazer. Talvez, sim, ele busque minha precisão, e eu, a efervescência dele."
Seriam dois artistas, de modo distintos, que levam uma relação de conflito, seja com crítica ou público? "Não sei se é conflituosa. Há uma incompreensão grande em relação ao trabalho de Brown. Acham que ele é só um percussionista, mas é um grande letrista, um pesquisador de prosódias. Pensam nele como bom músico, mas não como cancionista. Já a imagem do meu trabalho, por ser poeta e ter escrito livros, às vezes é de alguém que fala as letras, que não é musical. Não é isso."
Chega, daí, à suposta aproximação do pop que caracterizaria seu novo disco: "É um esforço que vem acontecendo em todos os discos. Sempre falam, a cada disco, que estou mais pop. Deixa-me feliz, porque é o reconhecimento real de um instinto que tenho. Nunca quis ser underground, sempre quis fazer um trabalho de alcance pop. É uma conquista de prazo mais largo, não só num disco ou noutro".
Ouvido o exemplo da popular "Amor I Love You" (2000), que Marisa Monte compôs com Brown e cantou com participação de Antunes, a aproximação com o pop corresponderia a algum tipo de banalização?
"A banalidade positiva eu sempre adorei. Tim Maia cantando "você e eu, eu e você, juntinhos" é genial, as letras de Jorge Ben Jor também. Sempre me senti próximo disso, acho o máximo, tudo que eu queria ter feito", rebate.
Respondendo sobre a renitência dos hábitos concretistas em sua obra, vê banalidade na repetição, mas diz trabalhar contra ela: "Acho que tudo que vira fórmula fica fácil, mas não acho que a repetição seja um instrumento esgotado e falido, acho que ainda é um território fértil".
Rebate, também, críticas sobre sua voz. "Gosto de incorporar o ruído na voz. Acho que há uma tradição nesse sentido, com Louis Armstrong, Elza Soares, Janis Joplin, Cássia Eller. Berro bem as palavras, é uma qualidade que meu trabalho tem."
Seu trabalho teria, por fim, uma dimensão crítica, como quando canta os versos explosivos de "Exagerado" (Cazuza-Ezequiel Neves-Leoni) de forma contida, intimista? "Não sei se é crítica. Acho que é mais um contraste com o que o texto já está dizendo. É difícil me olhar de fora de mim. Sempre quis alterar a sensibilidade das pessoas, ter um uso libertário para elas. Ter sido esquisito, robótico ou muito louco nos Titãs era um desejo de liberdade de ação. Ainda existe isso em mim, hoje mais sereno. Mas faço o exercício crítico e autocrítico o tempo todo. Tenho dificuldade grande em me satisfazer", fecha. (PAS)


PARADEIRO - De: Arnaldo Antunes. Gravadora: BMG. Quanto: R$ 25, em média.



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