São Paulo, quarta-feira, 14 de agosto de 2002

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CRÍTICA

Indignação que já não há

DO ENVIADO AO RIO

Nos dois CDs rememorativos agora lançados, retomam-se três momentos bem distintos da história de Milton Nascimento.
O primeiro deles é o instante original. A capa e a ordem inicial das faixas do álbum de estréia foram adulteradas, mas a informação sonora está intacta. O Milton de "Travessia" (e "Outubro", "Morro Velho"...) já era solene e trovejante, quase parecido aos bossa-novistas, mas imensamente diferente deles. Orquestrado, o disco se impunha nas regências de Luiz Eça, no violão militante de Milton, na profusão de cordas.
Os dois momentos subsequentes estão no CD duplo com as trilhas de balé. "Maria Maria" (76) tem parentesco íntimo com "Milagre dos Peixes" (73). Mal-assombrado e quase mudo de palavras, era permeado de lamúrias e gemidos -e todos eles, sem exceção, lamentavam a repressão militar que sangrava o Brasil.
A faixa-título nasceu sem letra, cortada de lamentos que alegorizavam a saga de uma matriarca escrava (ou seja, o Brasil). Em "Lília", a voz de Nana Caymmi levava chicotadas e gemia -a tortura militar se impregnava na criação.
"Último Trem" (80) mostrava que Milton já não poderia mais se desprender da relação voz-instrumento que o militarismo lhe implantara. Mas o cantor, o mesmo que em "Travessia" singrara "solto a voz nas estradas/ já não posso parar", estava de novo solto.
Hoje soa como um desfile de temas conhecidíssimos, sob o mote da anterior "Ponta de Areia" (74). E a demolição da linha de trem Bahia-Minas pelo governo militar virava pretexto para um Milton indignado se lançar furiosamente contra a opressão do povo pelo regime então já agonizante.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


Travessia e Maria Maria/Último Trem    
Artista: Milton Nascimento
Lançamento: Dubas/Universal e Nascimento/Warner
Quanto: R$ 25 e R$ 35, em média




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