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CRÍTICA
Indignação que já não há
DO ENVIADO AO RIO
Nos dois CDs rememorativos agora lançados, retomam-se três momentos bem distintos da história de Milton Nascimento.
O primeiro deles é o instante
original. A capa e a ordem inicial
das faixas do álbum de estréia foram adulteradas, mas a informação sonora está intacta. O Milton
de "Travessia" (e "Outubro",
"Morro Velho"...) já era solene e
trovejante, quase parecido aos
bossa-novistas, mas imensamente diferente deles. Orquestrado, o
disco se impunha nas regências
de Luiz Eça, no violão militante de
Milton, na profusão de cordas.
Os dois momentos subsequentes estão no CD duplo com as trilhas de balé. "Maria Maria" (76)
tem parentesco íntimo com "Milagre dos Peixes" (73). Mal-assombrado e quase mudo de palavras, era permeado de lamúrias e
gemidos -e todos eles, sem exceção, lamentavam a repressão militar que sangrava o Brasil.
A faixa-título nasceu sem letra,
cortada de lamentos que alegorizavam a saga de uma matriarca
escrava (ou seja, o Brasil). Em "Lília", a voz de Nana Caymmi levava chicotadas e gemia -a tortura
militar se impregnava na criação.
"Último Trem" (80) mostrava
que Milton já não poderia mais se
desprender da relação voz-instrumento que o militarismo lhe implantara. Mas o cantor, o mesmo
que em "Travessia" singrara "solto a voz nas estradas/ já não posso
parar", estava de novo solto.
Hoje soa como um desfile de temas conhecidíssimos, sob o mote
da anterior "Ponta de Areia" (74).
E a demolição da linha de trem
Bahia-Minas pelo governo militar
virava pretexto para um Milton
indignado se lançar furiosamente
contra a opressão do povo pelo
regime então já agonizante.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
Travessia e Maria Maria/Último
Trem
Artista: Milton Nascimento
Lançamento: Dubas/Universal e
Nascimento/Warner
Quanto: R$ 25 e R$ 35, em média
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