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TEATRO
Versão de "Tio Vânia" alivia claustrofobia de Tchecov
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Anton Tchecov (1860-1904)
era um novelista que escrevia comédias cheias de melancolia. Tão complexo que seu parceiro Stanislávski teve que criar um
método específico para encenar
suas peças, convidando o ator a
preencher com sua própria imaginação e sensibilidade as alusões
e frases incompletas do texto. Se
tal método se estendeu pelo mundo, modernizando o teatro, foi
Tchecov a principal vítima de seu
efeito colateral, quando passou a
ter encenações que arrastavam
atores imersos em si mesmos.
Um dos grandes trunfos da encenação de Freire-Filho para "Tio
Vânia" é trazer de volta a luz intensa desse dia de outono, trocando a claustrofobia do "intimismo" por amplas marcas e emoções expostas sem voltar, no entanto, ao convencionalismo pré-stanislavskiano.
Com a cumplicidade de Daniela
Thomas, a elegante discrição dos
figurinos de Marcelo Pies e definindo cada personagem a partir
da clara trilha de Tato Taborda,
Freire-Filho cria um preciso e lúdico espaço de jogo para os atores, segundo sua competência habitual. E quando, como nessa
montagem, os atores estão à altura do talento do encenador, o resultado é deslumbrante. Não há
pequenos papéis.
Alby Ramos, com tipo e violão
marcantes, e a carismática Ida
Gomes garantem o bom senso
camponês em contraste com a serena majestade de Suzana Faini,
como a matriarca Vassilievna, e o
generosamente odioso professor
Serebriacov de Rogério Fróes, por
quem todos se sacrificam, embora saibam de sua mediocridade.
À imprescindível experiência
dos veteranos se junta o frescor de
Bel Kutner, que garante o difícil
papel de Sônia, que, sem alarde, é
a narradora da peça, já que é sobrinha do Tio Vânia, e enche o
palco com a ternura dos olhos que
herdou da mãe. Débora Bloch,
elegantemente contida no papel
da tímida Helena, sabe se expor
com segurança nos monólogos e
dá apoio seguro para a antológica
interpretação de Diogo Vilela.
Há muito que Vilela merecia
um personagem como o Tio Vânia, que sacrifica sua felicidade e
percebe tarde demais que foi em
vão. Imerso em álcool e outono,
mas se agarrando ao humor como último galho antes do abismo,
ele é trágico e hilário ao mesmo
tempo, comovendo sem cair na
autopiedade. É um privilégio testemunhar sua entrega ao teatro.
Luciano Chirolli, Astrov da
temporada paulista, o médico
idealista por quem todos se fascinam, além da instantânea desenvoltura, faz com clareza o elo com
a platéia. Seu discurso ecológico
parece remeter à Amazônia, e sua
lucidez amargurada, à Mário de
Andrade, personagem que o marcou recentemente. Quando se dirige aos homens do futuro, logo
na primeira cena, ao se questionar
sobre o que estarão fazendo os
homens nos trópicos, deixa a
idéia, clara como um dia de outono, que Tchecov escreveu a peça
para nós, hoje, no Brasil.
Assim, após uma mudança de
360 graus, e sem medo de se redescobrir infeliz, "Tio Vânia" não
acaba em um impasse, mas em
um contagiante grito silencioso
por uma nova tomada de posição.
Tio Vânia
Direção: Aderbal Freire-Filho
Com: Diogo Vilela, Débora Bloch,
Rogério Fróes
Onde: Faap (r. Alagoas, 903,
Higienópolis, tel. 0/xx/11/3662-7233)
Quando: sex. e sáb. (21h); dom. (18h);
até 28/9
Quanto: R$ 40 e R$ 50
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