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São Paulo, quinta-feira, 14 de agosto de 2003

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Ninguém entende um mod

Tuca Vieira/Folha Imagem
O músico de rock e eletrônica Edgard Scandurra, 41, que lança seu terceiro CD solo, "Dream Pop"



Guitarrista do Ira!, Edgard Scandurra, 41, tenta consolidar carreira solo na música eletrônica


PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

Ele diz acreditar que roqueiros e clubbers já se acostumaram: quando não está no posto de guitarrista do Ira!, Edgard Scandurra, 41, é músico eletrônico. "Dream Pop", seu terceiro álbum individual, chega agora, por gravadora independente, como o mais radicalmente eletrônico que ele concebeu.
Vem creditado a Benzina a.k.a. Scandurra. Do inglês, a.k.a. é "also known as" -"também conhecido como". "Benzina" é o nome do semi-eletrônico disco anterior, de 96, e também o cognome com que Edgard apresenta em pistas de dança sua produção eletrônica.
O figurino de hoje se assemelha ao do mod rock que inspirou o Ira! de "Ninguém Entende um Mod" (85). Mods eram os roqueiros elegantes de terninhos dos anos 60, tipo The Who, revisitados no final dos 70 por The Jam.
Edgard, no entanto, demonstra que Benzina não é um mod: "Adoraria poder me vestir sempre assim, mas uma apresentação do Benzina a.k.a. Scandurra me faz suar um bocado".
Pois o mod de 85 seguiu com o Ira! (que já prepara novo disco), mas se tornou atípico em sua geração quando passou a se integrar ao circuito eletrônico de clubes, raves e ao culto do DJ.
"O que gosto na música, com exceção do pop, é a canção, o refrão, o som que me tira do chão. A música eletrônica tomou isso do rock, ou o rock que deixou para trás seu poder viajante, que Jimi Hendrix usava como ninguém", justifica seus movimentos.
Diz que sentiu "caras e comentários" tanto de roqueiros quanto de clubbers, mas que isso "caiu por terra muito rápido". Descreve como desafio de "Dream Pop" ser apreciado por radicais de ambos os lados do fio da navalha.
"Se o cara é muito roqueiro e vai falar de eletrônico ele vomita preconceito. Já tiraram muito sarro de mim, porque vou em lugar de gay, porque não tenho idade para ir a clube. Os caras extrapolam, você vê que é preconceito", descreve. E conclui: "Rock'n'roll não pode ser sinônimo de intolerância, de conservadorismo".
Não cospe no prato do rock, uma vez que o Ira! segue como a âncora que permite as outras experiências. "Se o Ira! tivesse acabado, talvez eu fosse chef de cozinha, ou DJ, ou tivesse um trio de blues. Mas tenho minha banda."

No underground
Diz não concordar com a idéia de que a eletrônica tenha sido um refúgio da frieza musical, agora em processo de refluxo com a volta da melodia, dos vocais, às vezes de velhos instrumentos de rock.
"Acho que há uma frieza proposital, mas para mim a eletrônica passa muita emoção. Me emociono em cada faixa do meu disco, acho que não tem nenhum momento frio. O suingue quebra a frieza. Também procuro a melodia, é da minha herança", afirma.
Critica o radicalismo também do lado clubber, com que diz que chegou a comungar no auge do período do clube Hell's.
"A cena eletrônica de hoje não é mais tão deslumbrada. O carão saiu de moda, aquele negócio de "somos os eleitos, os especiais, gostamos de algo de que as outras pessoas não gostam". Hoje toca no rádio, é comercial", comemora.
A travessia que fez e que hoje o diferencia dos roqueiros de sua geração está descrita no tecno pesado que abre o CD.
Em "Eu Estava Lá", Edgard vai enumerando todos os clubes underground que frequentou em São Paulo. Não começa nem se fixa em Nation ou Hell's, mas sim em Madame Satã, Napalm, Rose Bombom, Ácido Plástico, Carbono 14... -o rock.
Cita também a Lira Paulistana, templo de vanguarda de rock e da MPB como compreendida por Itamar Assumpção (1949-2003). Mas, sob as pressões do rock e do clube, mantém-se distante da música a que pertence. "Nossa, música brasileira não ouço mesmo."
Tanto é que quase batizou o disco com o nome da faixa dez, "Flerte Fatal" -sem saber que Rita Lee lançou um disco com esse título em 87. "É mesmo? Chama "Flerte Fatal'? Eu achei tão boa a sacada, até pensei "será que ninguém fez isso antes?"." Fez.
De volta a "Eu Estava Lá", será então que Scandurra era underground desde sempre e apenas continua onde estava, em contraste com seus hoje mais tradicionais colegas de geração? Ele silencia, pensa. "É, de certa forma sou um conservador." E ri.
Ninguém entende um mod?

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