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LIVROS/LANÇAMENTOS
"O Rumor da Língua" e "O Grão da Voz", do filósofo e ensaísta francês, ganham reedição brasileira
Barthes repudia "imortalidade desagradável"
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
No prefácio a "O Rumor da Língua", recentemente relançado, a
professora e crítica literária Leyla
Perrone-Moisés diz que, nos anos
de 1960 e 1970, Roland Barthes
(1915-1980) andava, como se dizia, "na crista da onda": os jovens
empregavam citações do escritor
francês da mesma forma como
"ostentavam calças boca-de-sino,
casacos afeganes ou tamancos
suecos".
De lá para cá, desde a trágica
morte do autor, atropelado por
uma camioneta quando saía do
Collège de France, onde lecionava, muita coisa mudou. Suas
obras não causam o mesmo furor.
Há quem gostaria de relegá-lo inteiramente ao passado como "filósofo dos "sixties'", ao lado de
Foucault e Lacan.
Por isso, com a publicação de
suas obras completas (desde
2000) na França e o lançamento
da "Coleção Roland Barthes"
(desde o ano passado) no Brasil,
da qual fazem parte os novos volumes "O Rumor da Língua" e "O
Grão da Voz", cabe perguntar:
por que ler o escritor nos dias de
hoje?
Em entrevista à Folha, Leyla
Perrone-Moisés, organizadora da
coleção brasileira, concorda que a
obra de Barthes passou por um
"purgatório" nos anos de 1980.
Mas a situação vem mudando:
"Em 2000, foram celebrados os 20
anos de sua morte com um colóquio na Universidade de Yale, que
teve a participação de grandes nomes como Susan Sontag".
Em 2002, abriu-se uma exposição multimídia no Centre Georges Pompidou, que "atraiu milhares de espectadores" e onde "cada
etapa da obra de Roland Barthes
era ilustrada por quadros, objetos, vídeos e gravações de sua bela
voz. No centro da exposição, via-se sua biblioteca e um simulacro
de jardim zen".
Segundo Perrone-Moisés, algumas das principais formulações
de Barthes viraram moeda corrente, como a idéia do "saber com
sabor", a noção de "efeito de real"
(para designar os limites do realismo em literatura), a rejeição da
"doxa" ou opinião dominante
(inspirada em Brecht), a definição
de literatura como "revolução
permanente da linguagem".
O contato de Perrone-Moisés
com Barthes data da época de
seus últimos seminários, que ela
freqüentou em Paris. Não imaginava, então, "o quanto continuaria trabalhando com sua obra,
sem ele".
Como coordenadora da coletânea, seleciona inéditos, revê novas
traduções e escreve introduções.
Foi dela a idéia de fazer capas com
os desenhos do autor, característica inédita da coleção brasileira.
"Posso dizer que, de um ano para
cá, não passo um dia sem reler
Barthes", afirma.
Escopo largo
As preocupações do escritor
abrangem um largo feixe de assuntos, como indicam, por exemplo, as entrevistas contidas em "O
Grão da Voz": da semiologia à política, da teoria literária à pedagogia e à sociologia. Perrone-Moisés
acredita que não se deva classificá-lo como filósofo ou pensador,
mas antes, como escritor.
"Seus escritos pertencem a um
gênero indefinido, misto de ensaio e de romanesco, que eu chamei de "crítica-escritura". Ele usa,
sim, cada um de seus temas como
um pretexto, mas o objetivo não é
o conhecimento desses temas, é
apenas a resposta a algo que o tocou pessoalmente e de que ele se
apropria ao escrever."
Exemplos de sua resposta muito
particular às coisas do mundo podem ser a fotografia, abordada em
"A Câmara Clara"; o Japão, país
sobre o qual ele discorre em
"L'Empire des Signes" (O Império dos Signos), livro sem tradução no Brasil por problemas de
direito autoral; e a questão o amor
e o desejo, em "Fragmentos de
um Discurso Amoroso", seu texto
mais popular.
Várias fases
Perrone-Moisés lembra que a
obra de Barthes atravessou várias
fases: "Da crítica ideológica de
fundamentação marxista ["O
Grau Zero da Escrita", "Mitologias'] ao estruturalismo e à semiologia ["Elementos de Semiologia",
"Sistema da Moda']; e dessas a
uma etapa assumidamente pessoal, inspirada por Nietzsche e pela psicanálise ["O Prazer do Texto", "Roland Barthes por Roland
Barthes']".
Enfim, há um período marcado
pela "celebração da literatura do
passado mais do que das vanguardas". Nesse estágio, Barthes
alimentou o desejo de escrever
um romance, gênero que considerava esgotado. "Essa última fase de Barthes, desconhecida entre
nós, virá à luz com a publicação
em português de seus dois últimos cursos no Collège de France
["A Preparação do Romance I e
II", pela Martins Fontes, no prelo]", anuncia Perrone-Moisés.
"Tudo indica que Barthes não
gostaria da chamada pós-modernidade e que tampouco se identifica com o pós-estruturalismo tal
como o viveu e teorizou. Ele também ficaria muito infeliz de assistir ao triunfo do mercado e da cultura de massa. A melancolia de
sua última fase dá indícios disso."
No final da vida, conta Perrone-Moisés, Barthes achava maçantes
suas antigas formulações semiológicas e se entediava quando algum aluno resolvia discutir com
ele o assunto. Ele dizia: "Para eles,
é óbvio que não mudei, que continuo ali como uma estátua, à disposição deles. Ora, não estou mais
ali onde me procuram. Essa é
uma imortalidade desagradável".
O RUMOR DA LÍNGUA/O GRÃO DA
VOZ. Autor: Roland Barthes. Org.: Leyla
Perrone-Moisés. Editora: Martins Fontes.
Quanto: R$ 49,80 (486 págs.) e R$ 54
(526 págs.), respectivamente.
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