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"PAIXÃO POR SÃO PAULO"
Antologia traz visões da esfinge mutante
ao longo de 83 anos
ESPECIAL PARA A FOLHA
Tematizar a cidade tem sido, para escritores modernistas e pós-modernistas, tão comum quanto tematizar a natureza foi para românticos e simbolistas. Com suas camadas sucessivas
de culturas e imigrações, luxo e lixo, solidão e multidão, a cidade é
topos privilegiado da poesia modernista internacional. No Brasil,
a história dessa poesia-das-cidades se confunde, de maneira peculiar, com a da vila interiorana
que virou metrópole cosmopolita
em menos de um século.
"Paixão por São Paulo - Antologia Poética Paulistana" reúne 71
poetas e 130 poemas de diversos
períodos e escolas, que tentaram
traduzir a experiência do choque
da "Paulicéia desvairada".
O critério de optar por poemas
que tivessem São Paulo como ambiente nos permite entrever como
a cidade foi representada pelos
poetas ao longo dos últimos 83
anos. Em 1921, o movimento acelerado e a transformação radical
dessa "superfície-limite" já eram
flagrados por Afonso Schmidt: o
sujeito-flanêur observa "árvores
despidas / crucificadas, / pelas
avenidas" e pergunta: "Que multidão meu silêncio povoa?".
Em 1925 vemos Guilherme de
Almeida fazer uma síntese objetivista da paradoxal "natureza urbana": "Na gaiola cheia / (pedreiros e carpinteiros) / o dia gorjeia".
A nostalgia invade os versos de
Martins Fontes, nos anos 30, mas
a bucólica "cidade da garoa" já
aparece como "assombração".
Uma seleção de epítetos da obra
de poetas de períodos diversos
tem traço comum: a personificação da cidade. Ou melhor seria dizer: sua monstrificação. Retratada
com um misto de amor e ódio,
fascínio e medo, ora surge como
uma "uiara de cabelo vermelho"
(Cassiano Ricardo), "fantasma"
(Fontes), mulher "ciumenta, narcisista" (Rosana Piccolo).
Ora é uma criatura que "come
terra, come espaço", ora "devora
seus próprios filhos" com suas
"chaminés parturientes do Brás"
(Sérgio Milliet). Em anos mais recentes, aparece como um "esqueleto múltiplo e inevitável" (Willer), uma "deusa de cimento"
(Bell), e ainda, em outros, como
"puta de mil faces", "ventre do Leviatã", "escrava do motor a gasolina" e "câncer de lirismo". Elogios
nada educados para uma senhora
de 450 anos.
Em poetas mais recentes parece
haver uma certa aceitação da cidade como arena de conflitos, em
todos os seus excessos e paradoxos. Enquanto em Roberto Piva
vemos o poeta procurando a saída da "cidade-sucata", em Régis
Bonvicino há uma constatação:
"não há saídas / só ruas viadutos
avenidas". Essa esfinge mutante,
que recusa a entregar seu "sentido" de bandeja, continua desafiando poetas. De repente, pode se
transformar, como no poema de
Reynaldo Damazio, num deus-mirim que chega e diz: "Aí, mano,
passa a grana / ou te devoro".
Sabendo que nenhuma antologia consegue abarcar tudo a que
se propõe, só nos resta sugerir inclusões. O leitor ganharia com
mais poemas como os do vanguardista Blaise Cendrars ou de
concretistas, como Ronald de
Azeredo e Haroldo de Campos. Já
o rap e outras tradições orais como a dos cantadores nordestinos
e compositores, poderiam ter
marcado presença. Fica para uma
próxima.
(RODRIGO GARCIA LOPES)
Paixão por São Paulo -
Antologia Poética Paulistana
Organizador: Luiz Roberto Guedes
Editora: Terceiro Nome
Quanto: R$ 35 (184 págs.)
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