São Paulo, sábado, 14 de agosto de 2004

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CINEMA

"Rua de Mão Dupla" representa o Brasil na competição internacional de vídeo em Locarno

Cao Guimarães dá vazão ao olhar do "outro"

ANA D'ÂNGELO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Três pares curiosos -uma oficial de Justiça e um produtor musical, uma acadêmica e um poeta, um arquiteto e um engenheiro- vão se revelando, pouco a pouco, ao trocarem de casa, por 24 horas, levando uma câmera de vídeo e mais nada, a não ser a tarefa de filmar, por cerca de uma hora, a casa do seu "par" desconhecido.
O resultado da experiência, concebida para ser uma videoinstalação da Bienal de São Paulo de 2002, virou o documentário "Rua de Mão Dupla", do cineasta de Belo Horizonte Cao Guimarães, o único brasileiro na competição internacional de vídeo do Festival de Cinema de Locarno deste ano.
Durante 75 minutos, o filme mostra imagens desses videoamadores "investigando" o território do outro e relatos dos seis personagens acerca do que pensam ser o sujeito que habita o outro universo. O vídeo é dividido em três partes e acaba criando identidades entre os pares de desconhecidos, mas seu poder está mesmo em desnudar os participantes enquanto fazem as imagens na casa do outro ou falam dessa pessoa.
Numa metade da tela, aparecem as imagens feitas pelo produtor musical na casa da oficial de Justiça e, na outra metade, o oposto. A interferência do cineasta foi montar de maneira a preservar a linha de ação escolhida por cada um.
O resultado é engraçado, surpreendente, curioso, às vezes dramático. "Os personagens se revelam na linguagem do primeiro olhar na casa do outro, a forma como se relacionam com o espaço, se aproximam ou se afastam dos objetos, as imagens que escolhem fazer e, depois, no retrato narrativo filmado. É um filme espelho, nesse sentido", disse Guimarães, em entrevista à Folha.
A idéia, conta o cineasta, nasceu quando procurava apartamento para alugar. O entra-e-sai de prédios despertou a hipótese do que poderia acontecer se "o vizinho do 501, de repente, vivesse por um dia no apartamento 502". Aproximadamente dois meses depois, o projeto pôde ser visto na videoinstalação homônima da Bienal Iconografias Metropolitanas, a convite do curador Agnaldo Farias. Nesse formato, os personagens eram mostrados em um monitor de vídeo, sendo os pares "trocados" dispostos lado a lado.
O filme surgiu da necessidade de dar linearidade a um conteúdo que se mostrava fortemente documental. "Ao contrário de outros trabalhos meus, esse é o menos estetizado, é cru."
Além de "Rua de Mão Dupla", Guimarães realizou neste ano o documentário "A Alma do Osso", sobre um ermitão que vive em uma caverna no interior de Minas Gerais. O filme recebeu o prêmio máximo do É Tudo Verdade, em São Paulo, mas não foi selecionado para o festival suíço.
Em Locarno, "Rua de Mão Dupla" foi aplaudido nas duas sessões realizadas no espaço Paleovídeo. Depois do debate que sucedeu a primeira projeção, Guimarães ouviu uma sugestão da curadora Tiziana Finzi de realizar um "Rua de Mão Dupla" mundial. Da platéia mesmo apareceram os primeiros candidatos.


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