|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CINEMA
"Rua de Mão Dupla" representa o Brasil na competição internacional de vídeo em Locarno
Cao Guimarães dá vazão ao olhar do "outro"
ANA D'ÂNGELO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Três pares curiosos -uma oficial de Justiça e um produtor musical, uma acadêmica e um poeta,
um arquiteto e um engenheiro-
vão se revelando, pouco a pouco,
ao trocarem de casa, por 24 horas,
levando uma câmera de vídeo e
mais nada, a não ser a tarefa de filmar, por cerca de uma hora, a casa do seu "par" desconhecido.
O resultado da experiência, concebida para ser uma videoinstalação da Bienal de São Paulo de
2002, virou o documentário "Rua
de Mão Dupla", do cineasta de
Belo Horizonte Cao Guimarães, o
único brasileiro na competição
internacional de vídeo do Festival
de Cinema de Locarno deste ano.
Durante 75 minutos, o filme
mostra imagens desses videoamadores "investigando" o território do outro e relatos dos seis personagens acerca do que pensam
ser o sujeito que habita o outro
universo. O vídeo é dividido em
três partes e acaba criando identidades entre os pares de desconhecidos, mas seu poder está mesmo
em desnudar os participantes enquanto fazem as imagens na casa
do outro ou falam dessa pessoa.
Numa metade da tela, aparecem
as imagens feitas pelo produtor
musical na casa da oficial de Justiça e, na outra metade, o oposto. A
interferência do cineasta foi montar de maneira a preservar a linha
de ação escolhida por cada um.
O resultado é engraçado, surpreendente, curioso, às vezes dramático. "Os personagens se revelam na linguagem do primeiro
olhar na casa do outro, a forma
como se relacionam com o espaço, se aproximam ou se afastam
dos objetos, as imagens que escolhem fazer e, depois, no retrato
narrativo filmado. É um filme espelho, nesse sentido", disse Guimarães, em entrevista à Folha.
A idéia, conta o cineasta, nasceu
quando procurava apartamento
para alugar. O entra-e-sai de prédios despertou a hipótese do que
poderia acontecer se "o vizinho
do 501, de repente, vivesse por um
dia no apartamento 502". Aproximadamente dois meses depois, o
projeto pôde ser visto na videoinstalação homônima da Bienal Iconografias Metropolitanas,
a convite do curador Agnaldo Farias. Nesse formato, os personagens eram mostrados em um monitor de vídeo, sendo os pares
"trocados" dispostos lado a lado.
O filme surgiu da necessidade
de dar linearidade a um conteúdo
que se mostrava fortemente documental. "Ao contrário de outros trabalhos meus, esse é o menos estetizado, é cru."
Além de "Rua de Mão Dupla",
Guimarães realizou neste ano o
documentário "A Alma do Osso",
sobre um ermitão que vive em
uma caverna no interior de Minas
Gerais. O filme recebeu o prêmio
máximo do É Tudo Verdade, em
São Paulo, mas não foi selecionado para o festival suíço.
Em Locarno, "Rua de Mão Dupla" foi aplaudido nas duas sessões realizadas no espaço Paleovídeo. Depois do debate que sucedeu a primeira projeção, Guimarães ouviu uma sugestão da curadora Tiziana Finzi de realizar um
"Rua de Mão Dupla" mundial. Da
platéia mesmo apareceram os primeiros candidatos.
Texto Anterior: Ator realizará intervenções na exposição Próximo Texto: Festival tem ataque a Bush Índice
|