São Paulo, segunda-feira, 14 de agosto de 2006

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Gramado avança rumo ao passado

Com prestígio em queda, festival gaúcho de cinema tenta recuperar sua influência com inovações no perfil da disputa

Evento inicia hoje sua 34ª edição com ficção e documentário colocados numa mesma categoria e reformulação do júri

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

O Festival de Gramado inaugura hoje sua 34ª edição com mudanças no perfil da competição pelo troféu Kikito.
Documentários em longa-metragem e títulos de ficção brasileiros agora formam uma só categoria e disputam os mesmos prêmios.
É o fim da distinção que, na antiga hierarquia do festival, relegava os documentários ao segundo plano e à chance de um único troféu, o de melhor filme do evento.
A partir deste ano, um autor de documentário poderá sair de Gramado levando o Kikito de melhor direção, por exemplo (veja no quadro ao lado a lista dos filmes competidores).
O festival mudou também a composição de seus júris. Um brasileiro preside a comissão que avaliará os filmes latinos, e um estrangeiro ocupa a presidência do júri que definirá os vencedores nacionais.
O júri popular -cujo vencedor recebe premiação em dinheiro- é agora composto por um número fixo de integrantes, que terão o compromisso de assistir a todos os concorrentes. Antes, o voto popular se baseava na reação aos filmes pelo público de suas respectivas sessões, sempre diverso.
A programação paralela à disputa por prêmios ganhou ênfase no debate de questões atuais relacionadas ao mercado de cinema. É uma tentativa de dar ao festival o status de plataforma de tendências.
Em dois seminários distintos, os assuntos discutidos neste ano serão o lugar reservado aos roteiristas na engenharia financeira dos filmes e o futuro do mercado de DVDs -que já é a ponta mais lucrativa da indústria cinematográfica em seu principal mercado, os Estados Unidos.

Roteiro
Já os roteiristas brasileiros eram até há pouco tempo apontados como o elo frágil (em qualidade) da cadeia criativa. A indicação ao Oscar de Bráulio Mantovani, por "Cidade de Deus" (2002), marca a virada da categoria, que quer ver seu valor agora reconhecido também em cifrões.
Tanta novidade no festival, no entanto, tem o objetivo de fazê-lo voltar atrás -ao posto de mais importante mostra de cinema brasileiro, hoje ocupado pelo Festival de Brasília, que, por sua vez, assiste ao avanço em seus calcanhares da Mostra de São Paulo e do Festival do Rio, ambos com programação internacional, mas cujas franjas brasileiras crescem em importância a cada ano.
Se é fato que a concorrência aumentou, é certo também que Gramado caiu sozinho. O festival se descaracterizou a partir de 1992, quando a seca da produção nacional (subseqüente à extinção da Embrafilme) levou a mostra a abrir sua competição para filmes latinos, como uma típica solução-tampão.
Desde então, à medida que a produção nacional se revigora, Gramado oscila entre enfatizar a disputa nacional -ora de ficção, ora de documentários, conforme esteja o vigor de cada um- sem deixar de lançar mão da "valorização" dos filmes latinos a cada entressafra local.

Celebrização
Com uma seleção de títulos titubeante, o foco do festival passou a ser a presença de estrelas globais (da TV, portanto). O desfile de celebridades é constante em Gramado desde sua primeira edição. Desacompanhado de bons filmes, no entanto, ele não faz mais do que ressaltar sua inconsistência.
Os organizadores do festival não falam abertamente em perda de rumo, mas traçaram o plano de ajuste. "Pretendemos em três anos fazer com que o Festival de Cinema de Gramado tenha um formato mais definitivo e não mude de acordo com a cinematografia brasileira, que num ano está bem, no outro não está", diz Enoir Zorzanello, ocupante da presidência do festival até o mês passado, que deixou o cargo (por um de conselheiro) à raiz de um imbróglio burocrático envolvendo suspeitas de irregularidade em prestações de contas anteriores da mostra.
Zorzanello foi substituído na presidência do festival por Alemir Coletto, secretário de Turismo de Gramado, para cuja economia o festival "tem uma importância transcendental", diz ele. Coletto quer que continue sendo assim. Por isso o Festival de Gramado anda mudando, para ver se fica igual -ao que já foi.


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