São Paulo, sexta-feira, 14 de agosto de 2009

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CINEMA/ESTREIAS

José Belmonte se despede do caos

O diretor de "Se Nada Mais Der Certo" diz que, depois de quatro filmes sobre vidas no limite, está em busca da leveza

"A crise estética do cinema brasileiro é, também, uma crise financeira", diz diretor; de seus quatro longas, apenas dois foram lançados

ANA PAULA SOUSA
DA REPORTAGEM LOCAL

José Eduardo Belmonte cansou de ser cult. Depois de quatro longas-metragens filmados e só dois lançados, o cineasta resolveu tirar do foco a crise para tentar, ele próprio, sair da crise. Ele parece até ter se inspirado no título do seu filme. "Se Nada Mais Der Certo" haverá, ainda assim, uma saída. "O caminho que percorri foi interessante, mas quero, a partir de agora, fazer filmes mais leves, sem tanto desespero. Quero rir", afirma, sério.
Belmonte diz que, além de rir, deseja alcançar, de fato, os espectadores. Seu quarto filme estreia hoje sem que o primeiro, "Subterrâneos" (2003), e o terceiro, "Meu Mundo em Perigo" (2007), tenham chegado ao circuito comercial. Apenas "A Concepção" (2005) conseguiu saltar os muros dos festivais. "É ótimo ganhar festivais. Mas cinema não é só isso."
O cineasta saiu com troféus debaixo do braço dos festivais do Rio, de Brasília e do Ceará. Mas a aura de cult, segundo ele, também cansa. Autor de um cinema que busca, na própria forma de narrar e mover a câmera, expor os desequilíbrios do mundo, Belmonte faz filmes tão instigantes quanto imperfeitos. Não à toa, com os prêmios e alguns afagos da crítica, vieram também as pedras.
"Alguém escreveu que "Concepção" era um desfile de genitálias. Outro me chamou de débil mental. Os distribuidores que viram "Meu Mundo..." não quiseram lançar o filme por achá-lo triste", enumera.
Ele admite, porém, que esses filmes eram uma busca pessoal -talvez radical. "Fiz tudo em esquema de cooperativa, com dinheiro de amigos. Vou tentar ser mais abrangente, alcançar outro público. "Se Nada Mais..." já busca um diálogo maior."
O filme que estreia hoje tem, inclusive, Cauã Reymond como protagonista. O galã global surge na tela desempregado e desnorteado, dizendo que "só os idiotas estão seguros neste mundo". Todos, no filme, têm vidas no limite. A personagem-síntese é a andrógina Marcim (Caroline Abras) que, mesmo flertando com o crime, acessa o mundo pela porta do afeto.
"Pode parecer uma ode ao ressentimento, mas não é. É um olhar em crise sobre a crise", define Belmonte.
"Esse clima de desespero e urgência é um pouco fruto da situação financeira", prossegue. "Se eu tivesse um processo de trabalho mais tranquilo, sairia outro tipo de filme. A crise estética do cinema brasileiro é, também, uma crise financeira."
Belmonte está convencido de que o modo de produção transformou o cinema nacional num "doente crônico". "É tão difícil fazer um filme que ninguém quer correr o risco de errar."
Para o próximo projeto, "Billy Pig" -aquele que o fará rir-, ele juntou-se à produtora Vânia Catani, que fez os filmes de Selton Mello e Matheus Nachtergaele. "Quero me profissionalizar. Forcei um pouco a barra até aqui. Mas, com quase 40 anos, acho que as coisas podem ser mais simples."
"Se Nada Mais..." ainda é da fase da complicação. Mas, por trás do travo amargo, o filme guarda muito afeto e certa graça. A trilha sonora, com canções de "Os Saltimbancos", talvez seja a senha da passagem de Belmonte agoniado para o Belmonte de "Billy Pig", que terá um porco de pelúcia falante.


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