São Paulo, sexta, 14 de agosto de 1998

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PORTINARI POR UM FIO
Telas de Portinari estão 'por um fio' no interior de SP


Rede elétrica da igreja matriz de Batatais, a 355 km de São Paulo, ameaça 21 telas, obras sacras do pintor que estão permanentemente expostas desde 1953; padre diz que precisa de R$ 80 mil para a reforma da fiação


JOSÉ ALBERTO BOMBIG
Editor-assistente da Folha Ribeirão

O maior acervo aberto ao público de obras sacras do pintor Candido Portinari está, literalmente, não por um, mas por vários fios.
Em Batatais (a 355 km de São Paulo), a sexagenária fiação da igreja do Senhor Bom Jesus da Cana Verde se transformou na principal ameaça as 21 telas do pintor, permanentemente expostas no local.
Segundo o padre Eloy Pupin, a pedido do pintor, as obras não podem ser retiradas da igreja matriz de Batatais.
Às 23h do dia 11 de abril, Pupin, 64, celebrava, como de costume, a tradicional missa do Sábado de Aleluia, quando percebeu o pânico dos fiéis que lotavam a igreja.
Só então Pupin notou que, nas cimalhas, em cima de uma das abóbadas da capela onde estão algumas telas pintadas por Portinari, um incêndio ganhava força.
Por sorte (ou "milagre", como diz o padre), dois eletricistas que estavam entre os fiéis conseguiram desligar a chave geral de energia da igreja e conter o fogo. "Foi um grande susto", lembra Pupin, que hoje luta para recuperar a rede elétrica da catedral.
Os trabalhos de Portinari, em óleo sobre tela, chegaram à igreja, de onde nunca mais saíram, em 53, e valem pelo menos R$ 22 milhões, segundo o pároco.
Já a recuperação da rede elétrica está orçada em R$ 80 mil. "Mas estamos tendo problemas para conseguir o dinheiro", diz Pupin.
As dificuldades da igreja, tombada pelo Estado em 82, não se limitam à fiação desgastada.
Proteção
Para proteger as obras, o padre conta com a ajuda de um guarda municipal e um policial militar formado em filosofia, que se revezam na portaria.
O dinheiro que mantém a igreja, uma réplica da catedral de São Pedro, na Itália, vem das "cestinhas" que correm durante as missas e da taxa cobrada pela celebração de missas, batizados e casamentos.
O professor João Candido Portinari, filho do pintor e diretor do Projeto Portinari, no Rio, lamenta a situação das obras, que, segundo ele, são "marcos" da arte sacra.
"Essa obra sacra do Portinari é uma das mais importantes do Brasil, é de um valor difícil de ser calculado", disse ele.
Sem cores primárias, os trabalhos foram feitos com tintas holandesas, altamente tóxicas, e têm como uma das fontes de inspiração o iluminismo alemão, mas incluem também elementos do primitivismo e do futurismo.
No escuro
Dos 21 quadros, 14 compõem a Via Sacra e têm aproximadamente 61 cm por 51 cm.
Os outros sete -"A Transfiguração", "A Sagrada Família", "São Sebastião", "A Fuga para o Egito", "Nossa Senhora da Conceição Aparecida", "O Batismo de Jesus" e "O Senhor Bom Jesus da Cana Verde (Jesus e os Apóstolos)"- são telas grandes, com até seis metros de altura.
Para complicar ainda mais a situação das telas, o destacamento do Corpo de Bombeiros mais próximo da igreja fica distante cerca de 40 quilômetros, em Ribeirão.
Enquanto busca uma ajuda para substituir a fiação antiga, o padre mantém em funcionamento apenas 40% da rede de energia. "Estamos praticamente no escuro", reclama o guarda municipal José Jocir Raimundini, 62, um dos vigias.



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